Luís Otávio Veríssimo Teixeira diz que muitas vezes os elementos não são suficientes para uma decisão justa, e a Justiça Desportiva depende de recursos da Justiça Comum
Por Carlos Gil e Rodrigo Cerqueira — Rio de Janeiro
No ano passado, quando veio à tona a operação da Polícia Federal, que investigava Bruno Henrique por supostamente ter forçado um cartão amarelo para beneficiar apostadores, a Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu pelo arquivamento do caso. Com as novas provas, o atacante do Flamengo deve ser alvo de inquérito da Justiça Desportiva.
Em novembro de 2024, a Procuradoria disse que o alerta (da Sportsradar, empresa contratada pela CBF para analisar possíveis casos de manipulação) "não apontava nenhum indício de proveito econômico do atleta, uma vez que os eventuais lucros das apostas reportados no alerta seriam ínfimos, quando comparados ao salário mensal do jogador". Agora, o STJD solicitou acesso ao relatório da Polícia Federal.
Em entrevista ao ge, o presidente do STJD, Luís Otávio Veríssimo Teixeira, explicou que o Tribunal adota um rito com uma série de etapas antes de um caso chegar a julgamento. Muitas vezes os elementos não são suficientes para uma decisão justa e, por isso, é preciso ter cautela para instaurar o processo. Os recursos da Justiça Comum, que geralmente caminha de forma mais lenta, são importantes para o trabalho no âmbito desportivo.
- Houve uma análise, muito bem fundamentada pela Procuradoria, do fato do jogo em relação ao alerta trazido - o minuto em que se deu, o tipo de jogada, volume movimentado, eventuais alertas anteriores do atleta... Do que foi trazido para a Procuradoria até aquele momento, não teve como avançar. A grande maioria dos alertas não vira processo ou redunda em absolvição, por causa dessa dificuldade de instrumentos persecutórios. Num recorte de 2022 a 2024, nós temos mais de 150 alertas no Brasil em 2022, aproximadamente 120 em 2023 e 57 em 2024. Desses todos, nós tivemos, no âmbito da Justiça Desportiva, 36 condenados. Todos esses condenados estão ligados a uma atuação persecutória do Estado. No momento em que se deu a análise daqueles elementos trazidos ao STJD, a Procuradoria consubstanciou um relatório com vários fundamentos e a conclusão foi pelo arquivamento daquele procedimento e, de fato, não havia elementos para o processo - afirmou Luís Otávio.
- Os fatos revelam que a imensa maioria dos casos que há condenação na Justiça Desportiva em relação a atores do futebol se dá a partir de instrumentos persecutórios próprios de autoridades policiais, Ministério Público, Justiça, porque a simples diferença no comportamento de mercado não é suficiente, na maioria das vezes, para justificar a condenação de um atleta. Exige-se, geralmente, quebra de sigilo bancário, extração telemática, eventual comunicação ou até mesmo delação, colaboração... A experiência da Justiça Desportiva do Brasil revela que a efetividade no combate à manipulação de resultado dentro do esporte está intimamente atrelada à atuação dos órgãos públicos institucionais - completou o presidente do STJD.
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) prevê, no artigo 35, "suspensão preventiva quando a gravidade do ato ou fato infracional a justifique, ou em hipóteses de excepcional e fundada necessidade, desde que requerida pela Procuradoria, mediante despacho fundamentado do Presidente do Tribunal (STJD ou TJD), ou quando expressamente determinado por lei ou por este Código".
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Bruno Henrique foi indiciado por supostamente ter forçado um cartão amarelo em jogo contra o Santos, no Brasileirão de 2023 — Foto: Redação Cartola
Enquanto não houver pedido da Procuradoria, Bruno Henrique pode continuar jogando pelo Flamengo, mesmo com a investigação em andamento. Neste momento, uma suspensão preventiva não é considerada.
- A medida preventiva prevista no código não se confunde com antecipação de expectativa de pena. Você não usa essa medida contra um jurisdicionado qualquer. Ele pode ser aplicada antes do processo penal. Essa discussão sobre se pode ou não ter suspensão preventiva está alinhada ao imediatismo da expectativa do público. Os ritos são seguidos para o clamor não decidir quais medidas serão tomadas. Em casos de violência, por exemplo, muitas vezes há necessidade de uma medida preventiva. Tem questões que são muito claras. No caso da manipulação, se o alerta vier acompanhado de relatórios de alta recorrência, existe uma densidade de eventos que justifique uma adoção de medida. Na justiça internacional, é comum que acusados de manipulação de resultados continuem em atividade, porque não existem elementos que justifiquem o impedimento - explicou Luís Otávio.

O relatório da Polícia Federal, com 84 páginas, deverá ser analisado agora pelo Ministério Público do Distrito Federal, que decidirá pelo oferecimento de denúncia ou não. A princípio, o MP prevê oferecer a denúncia nas próximas semanas. Caso isso aconteça, a Justiça do Distrito Federal é quem vai decidir se Bruno Henrique se tornará réu. Se sim, ele será julgado.
O jogador do Flamengo foi indiciado no artigo 200 da Lei Geral do Esporte – fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado –, com pena de dois a seis anos de reclusão, e estelionato, que prevê pena de um a cinco anos de prisão.
Na esfera esportiva, caso o processo seja aberto pelo STJD, a pena pode chegar a dois anos de suspensão e até banimento do futebol. A Operação Penalidade Máxima, que surgiu em 2023 e puniu jogadores envolvidos em esquemas de apostas esportivas, registrou suspensões de 360 a 720 dias, além de banimentos.