Áudios foram juntados a uma ação que denuncia uma série de corrupções ocorridas dentro de órgãos públicos e prefeitura de Luziânia
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Usado como prova em um processo que tramita na 19ª Zona Eleitoral de Luziânia, no Entorno do Distrito Federal, um áudio atribuído ao secretário municipal de Saúde Divonei Oliveira de Souza trouxe à tona suposto esquema de corrupção dentro do Poder Executivo local.
Na gravação, uma mulher conversa com Divonei e pontua que foi alertada por advogados sobre o fato de estar sendo supostamente usada como funcionária fantasma dentro da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.
Durante o diálogo, ela solicita ajuda ao secretário para resolver a situação e pede para ser oficialmente realocada no local onde foi nomeada. Ao contrário do que imaginava, no entanto, a moça escuta de Divonei que ter procurado advogado foi “ruim” e que, se o caso fosse denunciado, ele “negaria que esteve com ela” ou que a conhece.
“Se você deu seu nome para ele te nomear, então você tem um trato com ele. Para nós, se vier essa situação, nós vamos dizer abertamente que nós não temos conhecimento de nada. Eu vou negar que estive com você, vou negar que te conheço, vou negar que falei com você”, declarou.
Ao ser indagado pela mulher se o dinheiro do cargo em que está nomeada pertence a ela, o secretário completa: “O dinheiro é seu [conforme] o acordo que você fez com ele”.
Ouça:
O áudio foi juntado a uma ação que denuncia uma série de corrupções ocorridas dentro da prefeitura de Luziânia e de órgãos públicos da cidade. O processo, movido pela Coligação Liberta Luziânia, conta que a mulher foi nomeada na prefeitura no lugar de João Carlos Dadalte Júnior – presidente do diretório municipal do Democracia Cristã – logo após o homem pedir exoneração para se lançar pré-candidato a vereador em 2024.
Na teoria, ela deveria ocupar um cargo – cujo provento é de R$ 4 mil – dentro da Secretaria Municipal de Desenvolvimento. Contudo, conforme narra a ação, a mulher foi orientada por Divonei a prestar expediente integral no comitê instalado na nova sede do Democracia Cristã tanto durante período de pré-campanha quanto ao longo da corrida eleitoral de 2024, motivo pelo qual nunca compareceu ao órgão público.
Conforme o processo, para “provar” que trabalhava na secretaria, ela tinha que assinar folha de ponto, encaminhá-la ao secretário Glênio Magrini, que também assinava a folha e, por fim, entregava o documento à Secretaria Municipal de Saúde.
De acordo com o que foi escrito na peça processual, com o salário recebido pelo órgão, a mulher era obrigada a pagar despesas do comitê, tais como: energia, aluguel, serviço de manutenção do ar-condicionado, pagamento de outro funcionário informal – que recebia R$ 700, entre outros. Por fim, ela ficava com R$ 800 e repassava o restante do dinheiro a João Carlos.
Empréstimo consignado
A ação pontua, ainda, que João negociou empréstimo consignado no nome da mulher. O valor contratado no banco, conforme relatado, deveria ser entregue a ele. O pagamento do tal empréstimo era descontado dos R$ 4 mil, mensalmente.
Ao tomar conhecimento da gravidade do que estava acontecendo, a mulher contou ter procurado os envolvidos a fim de esclarecer o caso e pedir para trabalhar na secretaria onde havia sido nomeada. Contudo, foi informada que deveria receber permissão de Divonei ou do atual prefeito de Luziânia, Diego Sorgatto (União) .
Em uma carta supostamente enviada a Sorgatto – que rendeu o processo administrativo de nº 2024037066 – a mulher acusa o prefeito de saber da empreitada e pede exoneração. Porém, não teve a solicitação atendida. Diante da situação, a moça resolveu parar de repassar o dinheiro aos envolvidos, momento em que relatou ter sido ameaçada.
Em uma segunda gravação, à qual o Metrópoles teve acesso, João Carlos fala com um pastor identificado como Luiz Antônio Gonçalves Oliveira – proprietário do imóvel locado pelo diretório municipal do Democracia Cristã – reclamando que a funcionária deixou de encaminhar o dinheiro.
“Pastor Luiz, a paz do senhor Jesus. Tudo bom? Pastor, eu sei que tá atrasado aí. Deixa eu falar para o senhor: o meu dinheiro caiu na conta dela e ela não quer me devolver o dinheiro. E eu tô numa correria aí, correndo atrás junto com o Divonei, que é o secretário executivo do prefeito, para que ela devolva esse dinheiro. Porque o dinheiro não é dela. O cargo é meu”, começou.
“Eu nomeei ela porque eu tinha que me afastar para ser candidato. Nomeei ela no meu lugar e ela pegou esse dinheiro agora, depois da eleição. Caiu na conta dela e ela não quer me devolver o dinheiro. Eu falei que tenho os meus compromissos, que eu tenho que pagar os meus compromissos. Eu estou tentando pegar esse dinheiro para te mandar ai, tá bom?”, disse.
Ouça:
Em outro áudio, João volta a reclamar da falta do repasse para o pastor: “A paz do senhor, pastor Luiz. Tudo bom? Pastor, infelizmente, até agora eu não consegui pegar o dinheiro. Estou correndo atrás. Ela não me passou, não me devolveu o cargo, está o maior… se o senhor soubesse como tá”, disse.
“[…] Quem vai pagar o preço por isso é ela, né? Deus vai cobrar dela. Ela está até ameaçando, mas conto pessoalmente depois, com calma. Até o final do mês, o deputado [sem citar nome] vai mandar um dinheiro para mim. Aí eu vou pagar já os dois meses, tá bom? Aí para o senhor. O mês que venceu e este mês agora”, finalizou.
O pastor Luiz Antônio, por sua vez, encaminha a seguinte mensagem à mulher: “Paz do senhor Jesus. O bispo João está me falando que não me paga por causa da senhora. Já faz dois meses que está tudo atrasado: água, luz e aluguel”.
A mulher, então, disse que João e a esposa foram até a casa dela cobrar os valores, ocasião em que constrangeram familiares dela. Diante da situação, ela procurou a Polícia Civil de Goiás (PCGO), revelou todo o suposto esquema e registrou boletim de ocorrência contra os envolvidos.
A exoneração da funcionária saiu apenas em 31 de dezembro, depois de um decreto.
Busca e apreensão
Após tomar conhecimento dos fatos narrados pela mulher e por outras testemunhas, a Coligação Liberta Luziânia procurou a Justiça para denunciar o caso.
De acordo com o processo movido pela aliança, além da situação que consta nos áudios, foi descoberto que o diretório municipal do Democracia Cristã, sediado em local pertencente ao pastor Luiz Antônio Gonçalves Oliveira, estava utilizando mobiliários do município para comitê eleitoral, conduta vedada pelo artigo 73 da Lei das Eleições.
Segundo a ação, um funcionário da prefeitura tentou impedir a retirada dos objetos, mas João Carlos Dadalte Júnior teria ligado para o prefeito Diego Sorgatto, que “determinou a imediata liberação”.
Diante dos fatos narrados, a juíza Luciana Oliveira, da 19ª Zona Eleitoral de Goiás, determinou a busca e apreensão de todos os objetos utilizados pela sede do municipal do Democracia Cristã. No local, foram encontrados os seguintes pertences do município:
Além disso, conforme consta na petição, eleitores eram atendidos no local e recebiam ofertas dos seguintes serviços durante a pré-campanha para as votações de 2024: advocacia em geral, assessoramento em beneficio do INSS, em regularização de imóveis, inventários, além de distribuição de cestas de alimentos e intermediação para atendimento nos serviços de assistência social e de saúde da Administração Municipal.
Na sede do comitê, também ocorriam supostas “intermediações para a realização de consultas médicas, exames, cirurgias e outros procedimentos atendidos por unidades da Secretaria Municipal de Saúde”.
De acordo com a ação, o prefeito de Luziânia também disponibilizou a “chácara Sorgatto” – imóvel de propriedade da família do político – para eventos políticos promovidos pelo Democracia Cristã.
Defesa
À reportagem o prefeito de Luziânia Diego Sorgatto disse que não tem conhecimento da carta enviada pela mulher que supostamente estaria sendo usada como funcionária fantasma e que “não tem conhecimento de nenhum esquema de rachadinha ou irregularidades”. “Se tivesse [conhecimento], eu já teria tomado providência”, disse Sorgatto.
O prefeito pontuou, ainda, não ter conhecimento do processo que tramita na 19ª Zona Eleitoral de Luziânia. “Se eu receber alguma notificação ou intimação, obviamente estarei aqui para colaborar, para esclarecer”, finalizou.
O Metrópoles tentou contatar os demais citados, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto para futuras manifestações.