Stockton Rush discutiu com executivo da OceanGate que questionou segurança do submersível Titan
Por O Globo com agências internacionais — Nova York, Estados Unidos
Submersível encontrado no mar — Foto: Reprodução
Uma transcrição de uma reunião na OceanGate divulgada ao público mostra que o CEO da companhia, Stockton Rush, discutiu com outros funcionários que questionavam a segurança do submersível Titan. Rush e outros quatro passageiros morreram depois que a nave aquática implodiu durante uma expedição aos destroços do Titanic, no Atlântico Norte, em junho de 2023.
O documento com a transcrição da reunião de 2018 foi divulgada pela Guarda Costeira dos Estados Unidos em meio às audiências públicas sobre as investigações do caso. Na "discussão acalorada", o chefe da OceanGate bateu de frente o ex-diretor de operações marítimas, David Lochridge, e mais três funcionários.
"Ninguém vai morrer sob a minha supervisão - e ponto final", disse Rush, ao ser questionado por Lochridge. "Não tenho desejo de morrer... Acho que esta é uma das coisas mais seguras que farei".
As audiências visam a responder questões em aberto sobre a tragédia e apontar caminhos para que o segmento seja mais seguro e que o incidente não se repita. Desde antes da expedição e, com mais força, após a confirmação da implosão, o desrespeito a normas e regulamentações e o uso de materiais nada convencionais na construção do Titan foram objeto de escrutínio público. Rush reconheceu ter "quebrado regras" para inovar no setor e bancou a utilização da nave apesar das críticas de colegas, como Lochridge.
O documento foi publicado no site da investigação na sexta-feira e, nesta segunda, a Guarda Costeira confirmou à BBC quem eram as pessoas envolvidas naquela reunião de 19 de janeiro de 2018. Na ocasião, Lochridge havia feito um "relatório de inspeção de qualidade" que apontava problemas no design e nos testes do Titan.
Submersível encontrado no fundo do mar — Foto: Reprodução
— Aquela reunião acabou sendo uma discussão de duas horas e 10 minutos... sobre minha demissão e como minhas divergências com a organização, com relação à segurança, não importavam — disse o ex-diretor ao ser ouvido pelos investigadores, na semana passada.
Na reunião, Lochridge reclama que suas preocupação haviam sido "descartadas" pelos colegas, ao que Stockton Rush respondeu:
"Tudo o que fiz neste projeto foi [com] as pessoas me dizendo que não daria certo - 'você não pode fazer isso'", ressaltou o CEO, segundo a transcrição, antes de citar a própria família. "Tenho uma neta legal. Vou ficar por perto. Entendo esse tipo de risco. Estou entrando nisso com os olhos abertos, e acho que essa é uma das coisas mais seguras que farei. Posso inventar 50 razões pelas quais temos que cancelar e fracassar como empresa. Não vou morrer. Ninguém vai morrer sob minha supervisão - ponto final".
Lochridge foi demitido depois da reunião. Ele disse ter acionado a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional dos EUA (Osha) para relatar as preocupações, mas que a agência americana não agiu rápido o suficiente para evitar a tragédia. Os advogados da OceanGate o teriam pressionado a assinar um acordo de confidencialidade.
Audiência testa teorias sobre tragédia
Não está claro se os cinco mergulhadores do Titan sabiam que estavam em perigo mortal antes do submersível implodir 15 meses atrás. Especialistas, por muito tempo, responderam a essa questão afirmativamente. No entanto, os primeiros dois dias de uma audiência formal conduzida por um painel da Guarda Costeira, que começou na segunda-feira, levantaram dúvidas sobre essa conclusão sombria e trouxeram testemunhos detalhados que sugerem uma interpretação menos dramática.
"Durante toda a descida," afirmou o relatório inicial da Junta de Investigação Marinha, "a tripulação não enviou nenhuma transmissão que indicasse problemas ou emergência." Essa constatação se baseia no exame oficial das comunicações entre o submersível e seu navio de apoio, além da análise do último ato conhecido do submersível — o desprendimento de seus lastros.
Normalmente, o Titan dependia de um grande rack de pesos presos à sua parte inferior para torná-lo mais pesado e acelerar sua descida. Ao se aproximar do fundo do mar, o submersível soltava parte dos pesos para ficar neutro, ou seja, nem subia nem descia. No final da imersão, ele liberava mais pesos para se tornar positivamente flutuante e iniciar a lenta subida. Em caso de emergência, o submersível poderia soltar todos os pesos de uma vez, o que o faria subir rapidamente à superfície.
Logo após a tragédia, meios de comunicação e especialistas sugeriram um cenário de crise. Eles argumentaram que a soltura de pesos indicava que os tripulantes sabiam que estavam em perigo grave e tentavam fazer uma subida de emergência.
O oceanógrafo Robert D. Ballard, conhecido por descobrir o Titanic em 1985, afirmou à ABC News que a tripulação "começou a soltar os pesos para subir à superfície — mas nunca conseguiram". James Cameron, cineasta e especialista em submersíveis, também sugeriu que eles "tentavam gerir uma emergência".
A última viagem do Titan — Foto: Editoria de Arte
Uma ação judicial de US$ 50 milhões, movida em agosto pela família de Paul-Henri Nargeolet, um dos mortos, alegou que a soltura de pesos indicava que a equipe estava abortando a missão e estava consciente de que iria morrer.
No entanto, a audiência da Guarda Costeira revelou detalhes que contradizem essa hipótese. Em particular, uma última comunicação entre o Titan e o navio de apoio mencionava que o submersível havia "soltado dois pesos". Tym Catterson, contratado pela OceanGate, testemunhou que os dois pesos — cerca de 70 libras no total — foram soltos para ajudar no controle da flutuabilidade enquanto o submersível se aproximava do fundo, e não para voltar à superfície.
Catterson afirmou que esse peso não era suficiente para fazer o Titan subir, já que o submersível normalmente carregava de 200 a 300 libras de lastro.
As correntes nas áreas das buscas do Titan e dos destroços do Titanic — Foto: Editoria de Arte
No fim de seu depoimento, Catterson criticou os meios de comunicação por terem especulado sobre o desastre. Em sua avaliação, a tripulação "não tinha ideia" de que uma implosão catastrófica era iminente.
James Cameron admitiu que não deveria ter repassado informações não verificadas sobre os pesos, mas destacou que o desastre do Titan foi uma "anomalia grotesca" considerando o histórico perfeito de submersíveis tripulados em profundidades extremas até então.
Jason D. Neubauer, que lidera a investigação, já havia desmentido em junho uma transcrição falsa amplamente divulgada que sugeria que os tripulantes lutavam para retornar à superfície.