Apenas empresários do setor imobiliário defendem o projeto que desfigura o Plano Piloto
Luiz Estevão
Hugo Barreto/Metrópoles @hugobarretophoto
O PPCub, projeto de lei que deveria preservar as regras de uso, a ocupação do solo e a altura dos prédios do Plano Piloto, agride todos esses pontos, propondo a criação de novos lotes em áreas verdes, transformando áreas comerciais em residenciais, dobrando a população do Plano Piloto e aumentando a altura e o gabarito de diversos lotes e prédios.
A partir de sua aprovação pelos deputados distritais, diversas vozes de especialistas em urbanismo e arquitetura, lideranças políticas e empresas jornalísticas de alcance nacional, sediadas ou não em Brasília, dedicaram-se a mostrar às autoridades e à população os graves danos decorrentes do projeto.
Não por acaso, as únicas manifestações de apoio vieram de instituições de classe comandadas por alguns empresários do setor imobiliário, tais como a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) e o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), cujos dirigentes e membros – e não as instituições – são os únicos beneficiários das mudanças a serem implementadas.
Os lotes que serão valorizados em até 500% pertencem justamente a esses que integram e dirigem essas entidades.
O comportamento dessas pessoas, motivadas pela ganância e pela ambição de ganhar mais dinheiro à custa da deformação da cidade que lhes deu o muito que já têm, é vergonhoso.
As “justificativas” que usam para defender esse Plano de Enriquecimento de Poucos em Detrimento de Todos são risíveis.
A primeira é a de que, em função da quantidade de normas que regem a matéria, seria preciso consolidá-las, facilitando a aprovação de projetos arquitetônicos.
Trata-se de escandalosa mentira: as normas vigentes nesses 64 anos de existência de Brasília permitiram, com muita clareza, que tudo o que se vê hoje na cidade fosse construído.
Não há um só empresário que tenha precisado recorrer ao Poder Judiciário para discutir as regras que resultaram na Brasília que temos, tal sua simplicidade, objetividade e clareza.
Falácia
A segunda é a de que a duplicação da população do Plano Piloto baixaria o custo da moradia. Mais uma falácia: fosse assim, Águas Claras, que é a cidade mais adensada do Distrito Federal, não seria o segundo local cujos preços de apartamentos, salas e lojas são os mais caros do Distrito Federal, aproximando-se dos valores do Plano Piloto.
A terceira é a de que a cidade precisa modernizar-se e gerar desenvolvimento.
A tese é absurda, visto ser Brasília a metrópole com melhor qualidade de vida dentre todos os 5.570 municípios brasileiros e seu desenvolvimento em nada se beneficiará com as mudanças propostas, que tornarão o trânsito no Plano Piloto caótico e, para solucionar esse previsível problema, as vias teriam de ser alargadas no futuro, diminuindo ainda mais as áreas verdes que constituem o grande diferencial da nossa cidade.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, Marcelo Vaz, alega que as generosas modificações contidas no projeto em benefício de um grupo de empresários seriam pequenas e que o plano visaria preservar as características de Brasília.
A afirmação carece de qualquer respaldo.
Como imaginar que a construção de apartamentos na beira do lago, nas imediações dos palácios do Jaburu e do Alvorada, em que morarão 27 mil pessoas; a transformação da W3 Norte em prédios residenciais que serão ocupados por mais 30 mil pessoas; e as habitações que surgirão nas quadras 700 e 900 Norte e Sul, que comportarão mais 70 mil pessoas, signifiquem pequenas intervenções?
Apenas nesses três setores, dos muitos que sofrerão modificações, teremos mais 127 mil habitantes no Plano Piloto, aumento de 60% em relação ao total hoje existente, sem falar nas demais mudanças que engordarão o DF em mais 100 mil habitantes.
Chamado a revisitar Brasília em 1987, Lucio Costa não tocou em sua obra-prima, o Plano Piloto, deixando-o inalterado. Criou dois novos setores habitacionais, o Sudoeste e o Noroeste, ambos fora dos limites do projeto original.
O título de Patrimônio Cultural da Humanidade corre sério risco de ser retirado de Brasília, conforme advertências já manifestadas publicamente por órgãos ligados à Unesco.
Para o bem de nossa cidade, o projeto aprovado ainda passará pelo zeloso crivo do governador Ibaneis Rocha, que poderá vetá-lo, impedindo que caia sobre seus ombros o peso de permitir esse irreparável e irreversível prejuízo à nossa cidade.