Medo sobre o risco de animais soltos alimenta a discussão sobre precauções, na lei e no dia a dia, para prevenir e punir outras investidas
Por Luis Felipe Azevedo — Rio de Janeiro
A escritora Roseana Murray teve alta nesta quinta-feira após ter sido atacada por três pitbulls — Foto: Gabriel de Paiva
O ataque de três cães pitbull à escritora e poetisa Roseana Murray provocou um choque cada vez mais frequente no Brasil. O medo sobre o risco de animais soltos de comportamento violento e imprevisível alimenta a discussão sobre precauções, na lei e no dia a dia, para prevenir e punir outras investidas.
Nesta semana, Hugo Otávio Tobias, tutor de um pitbull, morreu ao ser mordido na garganta pelo próprio cão em Mogi Mirim (SP). Um guarda municipal conseguiu tirar o cachorro de cima da vítima, de 30 anos, mas o animal tentou atacar outras pessoas. Para contê-lo, o agente matou o cão com um tiro.
Também neste mês, uma criança de 2 anos foi salva de um ataque de pitbull pelos avós, no bairro Santa Terezinha, em Cuiabá. Imagens de câmeras de segurança registraram quando o cão, que escapou da residência de um vizinho, avança e encosta no menino.
Em fevereiro, um homem de 49 anos morreu após ser mordido por um pitbull na Zona Leste de São Paulo, quando tentava defender seu cão vira-lata. O animal arrancou um dos dedos da vítima, que teve parada cardíaca.
Apenas em janeiro, houve 131 atendimentos médicos por conta de mordedura de cão no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. De 2021 até o ano passado, houve pelo menos 126 mortes por este motivo, de acordo com a pasta. No ano passado, foram 53, um aumento de 33% em relação a 2022. Também em 2023, o número de atendimentos de vítimas de cães chegou a 1.430.
Leis punem e previnem
Em casos de ataque, o Código Civil brasileiro estabelece que o dono ou detentor do animal responde pelos danos causados a outro cidadão, exceto se ficar provada a culpa da vítima ou que o prejuízo decorreu de um fato de causa maior. O tutor deverá ser responsabilizado por despesas médicas, hospitalares, psicológicas, danos estéticos e mesmo indenização por lucros cessantes. Mas também há legislações municipais e estaduais para punir essas ocorrências.
— Temos leis para que as responsabilidades penal e civil sejam aplicadas nas esferas municipal e estadual, e os casos têm repercussão judicial. Mas acredito que é importante uma regulamentação efetiva no âmbito federal — avalia o professor da Escola Paulista de Direito Cesar Peghini.
Normas nos estados e municípios também tentam disciplinar o controle dos cães, para prevenir esses ataques. A legislação estadual de São Paulo determina que a condução em locais públicos de cachorros pitbull, rottweiler e mastim napolitano, entre outras raças consideradas perigosas, deve ser com coleira e guia de condução. Além disso, os tutores deverão mantê-los em condições que impossibilitem fugas. Quem descumprir a regra, pode ser multado em R$ 353,60.
No caso do Rio, uma lei estadual estabelece que a circulação de animais ferozes em locais de grande tráfego de pessoas será permitida desde que conduzidos por maiores de 18 anos. A condução deve ser com guias com enforcador e focinheira apropriados para a tipologia racial de cada animal. A lei considera feroz todo animal de pequeno, médio e grande porte que têm “índole de fera” — mais especificamente os cães pitbull, fila, doberman e rottweiler.
A desobediência destas normas pode acarretar multa e apreensão do animal, com perda de guarda. Outra resolução tornou obrigatória o registro de todos os cães pitbull ou derivados junto à Polícia Civil no prazo de 120 dias da adoção, com apresentação de comprovante de atualização da vacina antirrábica e de castração.
No caso de Cuiabá, onde a avó impediu o ataque à criança, a lei municipal proíbe a circulação de cães de qualquer porte ou raça sem coleira, além de guia curta de condução em locais públicos e em que haja concentração de pessoas.
A advogada animalista Camila Prado cita estudos comprovando que animais que sofrem maus-tratos podem ter maior propensão a comportamentos agressivos:
— A negligência com cuidados básicos, como alimentação, higiene e adestramento, contribui para o risco de ataques.
Voluntária no grupo Unidade de Proteção e Resgate Animal (Upra), que atua no combate aos maus-tratos de animais no Rio, a auditora fiscal Michele Góes foi mordida por um pitbull quando entrou numa casa na Zona Oeste. O incidente foi após um contato pacífico com o cachorro de uma hora, mas do lado de fora da residência.
— Como na maioria dos casos, a mordida foi por irresponsabilidade do dono. Se ele tivesse me avisado que o cão tinha comportamento territorialista dentro de casa, eu não teria entrado. Em nove anos de trabalho com pitbulls, essa foi a única vez que fui machucada — diz Góes.
Como se defender
O adestrador Mauricio Rossi explica que se uma pessoa estiver diante de ataque de um cachorro e tiver tempo de pegar um objeto pontiagudo, ela poderá introduzi-lo na região do maxilar do animal, entre os dentes, fazendo uma alavanca para que haja uma pressão no sentido contrário da mordida e a boca seja aberta. O mesmo serve para terceiros que desejam ajudar a vítima.
Outra maneira de encerrar um ataque, segundo o especialista, é a asfixia mecânica momentânea com oa coleira, uma corda ou um cinto. O material deve ser ajustado acima do pescoço e logo atrás da orelha e o cão deve ser suspenso.
— Não é recomendado segurar as patas, agredir o animal, jogar água ou usar spray para assustá-lo. A maioria dos cães que estão em agressividade não soltam as presas com essas alternativas. Isso faz com que eles se agarrem cada vez mais — afirma Rossi.