Só no complexo penitenciário situado no Vale do Paraíba, são mais de mil alcançados pelo benefício deixando as quatro unidades nesta manhã
Por Ullisses Campbell — Tremembé
A movimentação na saída do presídio de Tremembé, o abraço de Elias com a mãe e voluntários servindo café da manhã, a maioria ligada a igrejas evangélicas — Foto: Fotos de Ullisses Campbell
O dia foi de movimentação intensa no Presídio de Tremembé, no Vale do Paraíba, onde cumprem pena alguns dos criminosos de casos emblemáticos do país, como Alexandre Nardoni, condenado pela morte da própria filha aos 5 anos, e Gil Rugai, sentenciado por assassinar o pai e a madrasta. Os dois estão entre os cerca de 30 mil detentos autorizados a deixar a cadeia por uma semana a partir desta terça-feira, 12 de março, beneficiados pela primeira "saidinha" do ano.
Só em Tremembé, são mais de mil alcançados pela medida deixando as quatro unidades do complexo penitenciário nesta manhã, em um processo iniciado às 6h acompanhado in loco pelo blog. Na porta das prisões masculinas, a movimentação é sempre maior. Mães e esposas fazem uma grande aglomeração à espera dos filhos e maridos. Diante das duas cadeias femininas, porém, poucas pessoas aguardam pelas detentas.
Assim que saiu de Tremembé, por volta das 7h, Elias Silveira, de 23 anos, se deparou com a mãe e a namorada. Ele estava saindo pela primeira vez desde que foi preso, em 2019. Primeiro ele abraçou a mãe, a feirante Fátima da Silveira, de 38 anos. Depois deu um beijo na namorada, Elizete de Souza, de 21.
O reencontro de Elias Silveira, de 23 anos, com a mãe — Foto: Ullisses Campbell
"Nunca tive coragem de visitá-lo na cadeia. Por isso fiz questão de vir buscá-lo aqui fora", conta dona Fátima. Ela minimiza o crime do filho: "Ele se envolveu com o tráfico e cometeu outros erros como roubos. Considerando que nessa cadeia tá cheio de assassinos frios e psicopatas, o erro do meu filho é fichinha", compara.
Já Adriano da Fonseca, de 47 anos, deixou a cadeia por volta das 8h e disse que vai passar os sete dias de liberdade tentando provar a sua inocência. Ex-policial rodoviário em São Paulo, ele foi preso e condenado a 20 anos por um assassinato que afirma não ter cometido. Segundo conta, um homem foi executado em Campinas, em 2014, por uma arma que, conforme consta na acusação, teria sido emprestada por ele.
Adriano da Fonseca, de 47 anos, alega inocência — Foto: Ullisses Campbell
"No dia em que a vítima foi morta, eu estava até com o pé quebrado", afirma. Chorando, Adriano fala que perdeu tudo desde que foi preso, inclusive a esposa. "Meu processo está transitado em julgado, mas não vou desistir. Nem que eu lute até o final da minha vida", diz. Nas redes sociais, ele posta vídeos contando a própria história.
Quase todos os presos que deixaram o complexo de Tremembé estavam à paisana. Alguns, no entanto, saem vestindo o uniforme de preso, com calça cáqui e camiseta branca. Esses se destacam no meio da multidão.
Camilo Gonçalves, de 42 anos, deixou Tremembé com uniforme de preso e chinelos por não possuir outra muda de roupa — Foto: Ullisses Campbell
"Muita gente me olha na rua e pensa que eu fugi por causa do uniforme. Na verdade, alguns saem com essa roupa porque não têm o que vestir", conta Camilo Gonçalves, de 42 anos. Ele está em Tremembé II cumprindo pena por assassinato. A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) confirma que os presidiários que não têm muda de roupa dentro da cadeia saem vestindo o traje oficial dos internos.
Organizações não governamentais que apoiam a ressocialização montam barracas em frente às cadeias para servir café da manhã e doar roupas e sapatos aos detentos. A maioria dessas instituições está ligada às igrejas evangélicas. "Esses homens cometeram um erro. Não podemos virar as costas. Até porque amanhã poderá ser um de nós a estar no lugar deles", justifica a voluntária Carmem Gonçalves, de 40 anos, fiel da Igreja Universal do Reino de Deus.
Voluntários oferecem café da manhã para presos beneficiados por saidinha em Tremembé
Ela disse que não faz distinção religiosa na hora de servir café com leite e pão com mortadela aos presidiários. "Não se pergunta nada. A pessoa pode até não acreditar em Cristo que ela vem aqui e come", assegura. "Mas a gente tenta catequisar", acrescenta a missionária.
Como aproximadamente 1.500 presos saíram e não retornaram para a prisão na última saidinha do ano passado, entre o Natal e o revéillon, o governo de São Paulo montou uma força-tarefa para aumentar a fiscalização detentos durante a nova execução do benefício. Eles não podem ficar fora de casa no período noturno e estão proibidos de ingerir bebidas alcoólicas na rua. Também não podem sair da cidade-domicílio, sob pena de voltar para o regime fechado.
A movimentação diante de Tremembé — Foto: Ullisses Campbell
Segundo a SAP, a força-tarefa que vai fiscalizar os presos é composta por policiais civis e militares. Servidores públicos também vão telefonar à noite para o telefone fixo dos detentos autores de crimes hediondos para se certificar se eles realmente estão em casa.
A saída temporária é o primeiro passo para os presos obterem o regime aberto, onde o detento cumpre o resto da pena em liberdade. Há um projeto tramitando no Congresso para pôr fim a esse benefício, que, se aprovado, dependerá ainda da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A população carcerária do estado de São Paulo conta atualmente com quase 200 mil detentos, entre homens e mulheres. Das 96 casas penais administradas pelo estado, 75 estão com superlotação, inclusive três das cadeias do complexo de Tremembé.
"Tô voltando mais uma vez", postou Cristian Cravinhos — Foto: Reprodução
Além de Alexandre Nardoni e Gil Rugai, também estão entre os favorecidos pela primeira saidinha do ano Lindemberg Alves, que matou a colega de escola Eloá Pimentel com um tiro após mantê-la em cárcere privado por mais de cem horas, e Cristian Cravinhos, um dos irmãos condenados pela morte dos pais de Suzane von Richthofen, além da própria. Pouco depois de deixar a cadeia, Cristian avisou nas redes sociais: "Tô voltando mais uma vez".
O irmão de Daniel Cravinhos, assim como o parente, já estava no regime aberto em 2018, quando se envolveu numa briga de bar e acabou tentando subornar policiais militares em Sorocaba (SP). Na confusão, ganhou mais quatro anos de prisão em regime fechado. Atualmente, cumpre pena no semiaberto e só sai da cadeia nas cinco saidinhas anuais.