Os dez anos da Operação Lava Jato e a criação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia estão entre os destaques desta edição
Até recentemente, a lista de coisas que só existem no Brasil incluía pão de queijo, brigadeiro, açaí, jabuticaba, tomada com três pinos, frescobol e outras peculiaridades. Ultimamente, a relação vem incorporando outras brasileirices muito mais preocupantes.
No Brasil de hoje, por exemplo, um homem condenado em três instâncias por nove juízes pode ser eleito presidente da República. E outro, sentenciado a mais de 400 anos de cadeia, é libertado depois de apenas seis anos e agora caminha pela praia e virou influencer nas redes sociais. É o que mostra a reportagem de Silvio Navarro, escrita em parceria com Loriane Comeli e Diego Rosa, que faz um balanço dos dez anos da Operação Lava Jato.
As estranhezas não param por aí. Também nesta edição, outra reportagem mostra que legalidade e imoralidade agora andam de mãos dadas. Ao contrário do que ocorre em nações sérias, aqui um ministro do Supremo não se considera impedido de julgar um caso no qual a advogada com quem é casado defende uma das partes. E a mulher de um parlamentar não se mostra constrangida por trabalhar no gabinete que julga os recursos apresentados pelo marido. Nessa mesma linha, jornalistas políticos — e advogados nas horas vagas — nem escondem a amizade que os liga a magistrados da última instância.
Esse acervo nacional acaba de incluir um Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE). Apresentado nesta semana por Alexandre de Moraes, o invento promete preservar a democracia, censurando qualquer vestígio de desinformação. “O nome já é bizarro”, afirma Rodrigo Constantino. “É um evidente eufemismo para controle social intenso. O nosso Ministério da Verdade foi oficialmente criado, com os olhos atentos do ministro supremo a tudo que se passa nas redes sociais, para que possa, de imediato, banir aquilo que for ‘discurso de ódio’ ou ‘fake news‘.”
“Só faltou incluir na sigla, além de ‘enfrentamento’, expressões como ‘tático-móvel’, ‘vigilância’ e outras da mesma família”, observa J.R. Guzzo. “Por que não chamar isso, logo de uma vez, de ‘Centro Nicolás Maduro Para a Defesa da Lisura Eleitoral’?” Enquanto isso, como lembra Alexandre Garcia, “a Constituição só fala em liberdade de expressão e veto a qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica e artística”.
O nível de surrealismo a que chegou o Brasil aproximou-se do ápice com o voto de Alexandre de Moraes a favor da absolvição de pelo menos um dos mais de mil presos do 8 de janeiro. Geraldo Filipe Silva, morador de rua, foi libertado do cárcere em que sobreviveu por 11 meses. Mas não é um homem livre. Até que todos os ministros apresentem sua opinião, como mostra a reportagem de Augusto Nunes e Cristyan Costa, Geraldo continuará sujeito a restrições que incluem a tornozeleira eletrônica. Esse assombro também informa que o Brasil acabou de inventar a meia liberdade. Boa leitura. Branca Nunes Diretora de Redação