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Escolas do DF receberam 1,9 mil unidades de livro alvo de polêmica

O Avesso da Pele, livro que debate racismo e sexualidade, foi censurado em escolas públicas de três estados, por ser considerado inadequado


Divulgação

O livro O Avesso da Pele, escrito por Jeferson Tenório, está no centro de uma polêmica desde que a diretora de uma escola estadual do Rio Grande do Sul solicitou ao Ministério da Educação (MEC) o recolhimento dos exemplares distribuídos aos alunos do ensino médio. Ela argumentou que o livro possui “vocabulário de baixo nível” e “vulgaridade” em termos utilizados na trama. Como resultado, três estados brasileiros estão retirando o livro das escolas públicas, apesar da obra ter recebido prêmios literários e abordar temas como racismo e sexualidade.

A obra foi incluída no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), por meio de portaria publicada em setembro de 2022, destinado a professores e estudantes de escolas públicas de todo o país. O Metrópoles apurou que o Distrito Federal recebeu do MEC 1.901 exemplares do livro, distribuídos entre 62 escolas da capital.

Por meio de nota, a Secretaria de Educação do DF (SEEDF) informou que não houve aquisição direta do livro O Avesso da Pele para as unidades escolares da capital, visto que os exemplares são entregues à rede pública de ensino pelo próprio ministério, após processo de escolha orientado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Desse modo, compete a SEEDF orientar as escolas sobre o processo de escolha dos livros, para garantir a participação dos professores da unidades escolares contempladas com o programa.

Segundo o Informe 34 do FNDE, para o processo de escolha os professores devem basear-se nas resenhas das obras apresentadas no Guia, podendo nele acessar os livros na íntegra, a fim de verificar se eles realmente atendem aos objetivos de ensino traçados pela escola

“O processo de escolha e análise das obras do PNLD, é portanto uma ação direta entre o MEC/FNDE e as unidades escolares. Acerca de tratativas sobre o recolhimento da obra, informa-se que a equipe técnica da SEEDF está avaliando a obra na sua integralidade, ao passo que aguarda orientações do Ministério da Educação a respeito do material distribuído”, esclareceu a pasta.

Especialistas questionam censura

Editora e escritora especialista em literatura infanto-juvenil, Isa Colli avalia que as justificativas apresentadas pelos governos do Mato Grosso do Sul, Paraná e de Goiás para recolher os exemplares de O Avesso da Pele das escolas públicas, alegando que suas descrições de cenas de sexo são impróprias para alunos do ensino médio, com “linguagem pornográfica”, são questionáveis e escoradas, inclusive, no que aborda o livro: racismo.

“Ao proibir o acesso a uma obra literária que aborda questões importantes e controversas, como racismo, violência e injustiça social, a censura limita o debate e a discussão desses temas nas escolas. Isso prejudica o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos, que são privados da oportunidade de analisar e refletir sobre questões complexas da sociedade”, defende Isa.

Segundo ela, autoridades podem temer que a discussão desses temas nas escolas gere polêmica ou desconforto entre alunos, pais ou membros da comunidade. “A censura sugere que certas ideias ou perspectivas são proibidas ou inaceitáveis na sociedade, o que mina os valores democráticos e a liberdade de expressão”, pondera.

Isa também argumenta que, caso o PNFL tivesse considerado a obra inapropriada, teria sugerido a remoção ou suavização de passagens consideradas impróprias para a faixa etária, mantendo intacta a essência da obra e os temas centrais.

Justificativas arbitrárias

Jacqueline Moraes Teixeira, antropóloga e professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), acredita que as justificativas de censura apresentadas pelo governo dos três estados são arbitrárias, visto que não apresentam exatamente quais trechos do livro seriam inapropriados para adolescentes.

“Tem uma janela grande e uma dificuldade de elaboração dessas justificativas. Não temos a visualização exata de quais trechos dariam margem para uma censura que foi determinada a partir de uma visão política. A gente tá falando da circulação de obras da literatura brasileira nas escolas que são de extrema importância para a formação literária”, aponta Jacqueline.

Do ponto de vista da especialista, o recolhimento dos livros nas escolas também sugere uma disputa sobre a qualificação do autor da obra.

“Há muitos anos livros de Machados de Assis, Euclides da Cunha e José de Alencar são livros indicados nas escolas e que falam sobre questões raciais e de sexualidade, temáticas muito comuns de conhecimento entre jovens, e nunca foram infringidos dentro de uma dinâmica de censura. Eu vejo essa questão atual mais como uma desqualificação do autor e de dimensão racial, do que do próprio conteúdo do livro”, comenta a antropóloga.

Ela também acredita que, em vez de censurar tal livro, as escolas deveriam promover discussões sobre esses temas, ajudando os alunos a desenvolver consciência social e formação de pensamento crítico sobre a realidade brasileira.

“A paixão pela leitura é se reconhecer naquela história que está sendo retratado que, no caso de O Avesso da Pele, retrata o cotidiano e realidade de grande parte da população negra brasileira. É uma possiblidade de se reconhecer na leitura e se sentir confortável. A censura dessa obra é uma perda significativa para a formação desses estudantes”, finaliza.
Livro recolhido em três estados

Após a intensa polêmica, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc) determinou o recolhimento do livro de escolas estaduais por conter expressões, jargões e cenas de sexo consideradas inadequadas para menores de 18 anos

A decisão da Seduc foi desencadeada por solicitações de informações sobre o livro e discussões promovidas por políticos de direita no estado. Segundo a pasta, o material será analisado conforme a proposta pedagógica do currículo estadual.

O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), também determinou o recolhimento imediato do livro das escolas da rede Estadual de Ensino, após enviar exemplares para 75 das 349 unidades escolares e receber críticas semelhantes.

O mesmo cenário se repetiu no Paraná, onde o governo optou por retirar os exemplares das escolas estaduais de ensino médio. Embora reconheça a importância da temática do livro para o contexto educacional, a Secretaria Estadual de Educação considerou que algumas expressões e cenas presentes na obra não são adequadas para menores de idade.

No Rio Grande do Sul, a exclusão do livro de 18 municípios durou apenas algumas horas. Após uma diretora de escola criticar o conteúdo da obra por considerá-lo vulgar, a 6ª Coordenadoria Estadual de Educação anunciou a remoção do livro. No entanto, a Secretaria de Educação do RS emitiu nota desautorizando a decisão.

Sobre o que é O Avesso da Pele

Vencedor do Prêmio Jabuti 2021, o livro foi parar entre os 10 livros mais vendidos da Amazon Brasil após ser censurado em uma escola de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do sul, por linguagem de baixo-calão.

O Avesso da Pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.

Na trama publicada em 2020, o que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade.
O que diz o Ministério da Educação?

O Ministério da Educação, por sua vez, apontou, em nota oficial, que “o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é uma política relevante do Ministério da Educação com mais de 85 anos de existência e com adesão de mais de 95% das redes de ensino do Brasil”.

“A permanência no programa é voluntária, de acordo com a legislação, em atendimento a um dos princípios basilares do PNLD, que é o respeito à autonomia das redes e escolas”, completa.

“A aquisição das obras se dá por meio de um chamado público, de forma isonômica e transparente. Essas obras são avaliadas por professores, mestres e doutores, que foram inscritos no banco de avaliadores do MEC. Os livros aprovados passam a ser compilados em um catálogo no qual as escolas podem escolher, de forma democrática, os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas”, discorre o texto.

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