Aos 17 anos, ela foi para São Paulo, com a cara e a coragem, tentar a carreira. Hoje, aos 22, tem contrato com agência de Nova York, estrela filme em Hollywood e usa sua imagem em prol da Amazônia
Por Marcia Disitzer
A modelo Zaya Guarani para Westman Atelier — Foto: Foto de divulgação
Aos 22 anos, a modelo e ativista indígena Zaya Guarani tem rosto de menina e maturidade impressionante. Depois de 15 minutos de conversa por meio de chamada de vídeo, percebe-se que o contraste entre o olhar quase ingênuo e as palavras firmes é um dos traços do perfil da nova estrela da moda brasileira e internacional: ela acaba de ganhar o prêmio na categoria Modelo Influenciadora na primeira edição do badalado Latin American Fashion Awards, realizado no último dia 4 na República Dominicana. “Dedico a todos os meus parentes indígenas, por sua força e resiliência, e por nunca desistirem de nós”, discursou a modelo, vestida com um ousado look da grife Luar, do norteamericano Raul Lopez.
Mas não foi nada fácil fazer valer a sua voz e a sua imagem. Ou melhor, até pouquíssimo tempo atrás, sua barra era bem pesada. ‘Nasci em Porto Velho, Rondônia, e minha infância foi difícil. Eu, minha mãe e minha avó materna não tínhamos casa, vivíamos alojadas em comunidades e na cidade. Não conheci meu pai, infelizmente”, diz. Membro das etnias Kamurape e Guarani Mbya, ela conta ter sofrido abusos nesse período da infância e do começo da adolescência, mas prefere não entrar em detalhes. “São muitas partes delicadas. Também vivemos uma constante perseguição de território”, resume, em alusão à guerra travada entre indígenas, madeireiros e mineiros na região.
Aos 15 anos, ameaçada de morte em Rondônia, conseguiu desembarcar no Rio, totalmente sozinha. “Alugava quartinhos e fazia bicos para me virar. Meu português não era bom, tinha dificuldade para me expressar. Mesmo com todos os obstáculos, me senti aliviada por estar longe da minha cidade natal”, lembra. Zaya conseguiu prosseguir com os estudos e, aos poucos, encontrou o que chama de anjos da guarda pelo caminho. Um deles, a mãe de um colega, trabalhava na defensoria pública e conseguiu ajudá-la em questões práticas. “Me acolheu na sua própria casa quando eu estava sem dinheiro algum.”
Dois anos depois, trocou o Rio por São Paulo para investir na carreira de modelo. “Todo o mundo falava que deveria tentar. Então, fui para lá com a cara e a coragem”, diz. Ao chegar às agências, em 2019, esbarrou num ambiente nada empático. “Não existiam modelos indígenas na indústria da moda. As negras estavam iniciando uma revolução no mercado, lutando por inclusão. Meu primeiro passo foi ir às agências. Porém, as conversas não faziam o menor sentido e as abordagens eram insensíveis. Até me perguntaram se eu morava na floresta. Mas, naquela época, ainda não sabia o que era racismo”, narra. “Passei por diversas situações traumatizantes e confesso ter pensado em desistir.”
Porém, como o “universo conspira”, quando estava perdendo o fôlego, conheceu a stylist, designer e diretora criativa indígena Dayana Molina. “Ela me ensinou, passo a passo, o que deveria fazer para estar naqueles espaços”, relata. Dayana tenta resumir o vínculo com a top. “Zaya é muito iluminada. Senti, desde o princípio, que seria mais do que um rosto bonito, seria uma voz importante na construção de um novo mercado. Juntas, idealizamos o Coletivo Indígenas Moda Br e nos tornamos referência nesta representatividade”, afirma. Graças também à aproximação de Dayana, a modelo — que tinha sido orientada pela mãe a negar a sua cultura para se proteger —, fez um resgate ancestral. Em paralelo, o mercado começou a entender a importância da palavra diversidade — e Zaya estava no lugar estratégico e na hora certa. Com o sucesso, passou a usar a sua visibilidade para falar sobre povos originários e a Amazônia.
Morando em Nova York desde 2021, casada com um sociólogo e com contrato assinado com a agência CAA (Creative Artists Agency), ela se expande. Acaba de estrelar o longa “Postcard From Earth”, dirigido por Darren Aronofsky, e trabalhou para grifes como Ugg, Bergdorf Goodman e Westman Atelier. Também se faz presente em conferências em todo o em todo o mundo onde defende a cultura indígena. “Ela traz os olhares internacionais para a preservação da Amazônia”, diz a sua empresária, Juliana Schurmann. Zaya entende o espírito do tempo: “Por muitos anos, as modelos foram tratadas como cabides. Luto pelo que acredito”.