O ‘homem fatal de Bicas’, e também do jornalismo esportivo, morreu no último sábado
Arrudinha com Pelé O Globo
Apaixonado pelo Flamengo, mas adorado por dirigentes, treinadores, e atletas de distintos clubes, gerações e modalidades, Antônio Roberto Arruda, o Arrudinha, abria portas para o bom jornalismo. De Pelé a Romário, de Nelson Piquet a Isabel Salgado, o mineiro natural de Bicas foi por anos a memória viva das editorias de esporte —primeiro do GLOBO, onde abriu a história como repórter no início dos anos 70, depois do Extra, veículo onde pôs o ponto final da carreira, em 2010.
Contínuo da redação do Jornal do Brasil, onde começou a trabalhar, foi levado pelo então editor João Máximo para fazer parte da equipe de esportes que chefiaria no extinto Correio da Manhã, para assumir a função de pesquisador. Dali passou a arquivista no Jornal do Sports e logo chegou ao GLOBO. Os anos de serviços prestados junto à pastas e microfilmes guardados na era pré-Google fizeram dele um dos mais requisitados pesquisadores para grandes obras de vários escritores.
Antes mesmo de ser lançado à reportagem, Arruda arrebatou a confiança de Nelson Rodrigues. Me dizia ele que o cronista vez por outra o terceirizava em jogos que não conseguia acompanhar. “O que achamos da partida, meu nobre”?, perguntava o dramaturgo e escritor que encarregara de assistir aos clássicos no Maracanã. Nos bastidores, há quem sustente que o multitalentoso Nelson fazia o mesmo com Armando Nogueira. Mas Arruda, como quem guardasse o segredo a sete chaves, lembrava de tal feito com sorriso de canto de boca e um orgulho escondido sob os traços de sua mineirice.
“O Nelson escrevia que por vezes se valia das informações relatadas por seu assistente que era deficiente visual…”, divertia-se o intrépido “homem fatal de Bicas”, que era como o dramaturgo o citava referia na coluna o seu até então anônimo personagem.
Repórter de furos
Já como repórter, o jeito cativante e a precisão nos fatos apurados o aproximaram de Pelé. E de tal modo que a partir de certo momento o próprio Rei, o considerou seu mais fidedigno biógrafo. Embora nunca a tivesse posto no papel, Arruda tinha dados e informações relevantes, os bastidores e a confiança do filho do Seu Dondinho. Em 2009, pouco antes de deixar a profissão, Arruda foi convidado por Pelé para conhecer a fazenda da família no Vale da Ribeira, em São Paulo, e pela primeira vez viu-se o lado agropecuário do atleta do século.
Furos? Diversos. Todos eles obtidos pela ousadia de quem chegava cedo à redação para dar partida na edição do dia seguinte e mostrava-se inquieto com as pautas fora do lugar comum. Como em 1993, quando ao conseguir o telefone de Johan Cruijff não se intimidou com a barreira do idioma. “Don Johan, desculpa por el adelantado de la hora, mas en Brasil, fútbol é uma pasion mundial…” E daí nasceu a entrevista que rodou o mundo onde o então técnico do Barcelona dizia que Romário era o gênio da grande área.
Bem-humorado, carinhoso e espirituoso, Antônio Roberto Arruda, fã incondicional de Didi, devoto de Pelé e afetivamente preso aos feitos de Zico, fechou seu ciclo em 2010, quando já se dedicava à coluna “Deu no jornal…”, publicada nas edições dominicais do Extra, onde por 12 anos chefiou a reportagem da editoria de esportes. O vasto conhecimento sobre todas as modalidades, a experiência, o faro jornalístico e a sensibilidade ajudaram a formar a ótima geração que o chamava de mestre e hoje brilha em diversos veículos.
Viúvo, pai de três filhos, Arrudinha morreu na noite de sábado (13), aos 75 anos, em consequência do Alzheimer. O mineiro divertidíssimo moldado pelos arquivos dos jornais era do tipo que adorava e valorizava o passado. Em função disso pôde viver, reviver e se tornar um imortal no coração de todos aqueles que conviveram com ele nas redações da vida — todos já cheios de saudades. Que descanse em paz, sabendo que somos grato por tudo que fez pela profissão.
Fonte - O Globo