Representações são motivadas por xingamentos, além de acusações de assédio, ameaça, transfobia e pisão no pé. Presidente do colegiado admite que polarização deve aumentar a demanda do colegiado.
Reunião de instalação do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados em abril. —
Foto: Beatriz Borges/g1
O Conselho de Ética da Câmara se reúne nesta terça-feira (30) para instaurar, quase quatro meses após o início dos trabalhos no Congresso, os sete primeiros processos por supostas quebras de decoro de deputados.
As representações (veja mais abaixo) são motivadas por xingamentos e bate-bocas em audiências públicas e durante as sessões, além de acusações de ameaças, transfobia, assédio e até pisão no pé de outro parlamentar.
A pauta da reunião reflete o ambiente polarizado entre governistas e oposicionistas, diante de um Congresso dominado por embates ideológicos.
No dia 19 de abril, data em que o Conselho de Ética da Casa foi instalado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a pedir "prudência" aos parlamentares.
“Peço a prudência de sempre nos limites constitucionais e regimentais de atuação de cada parlamentar. Daqui para a frente, nós temos o fórum adequado instalado para tratar dos pontos fora da curva desta Casa”, disse Lira na ocasião, em referência à instalação do conselho.
No mesmo dia em que Lira pedia prudência, por exemplo, os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Marcon (PT-RS) se desentediam em uma reunião da Comissão do Trabalho da Câmara. A discussão será um dos itens a pauta desta terça.
À reportagem, o presidente do conselho, deputado Leur Lomanto Jr. (União-BA), admitiu que o ambiente de polarização entre deputados deve aumentar a demanda do colegiado.
“Devido a esse ambiente de polarização que está instalado na Câmara e tem se refletido nos debates do plenário e nas comissões, obviamente que termina ocorrendo essa chuva de representações”, disse.
“O presidente [Arthur Lira] fica preocupado porque a gente tem que garantir o trabalho legislativo, a harmonia entre os parlamentares, mesmo sabendo que é a Casa do contraditório. Todo mundo tem seus pensamentos, ideologias, mas tudo tem que ser feito no equilíbrio, preservando a imagem do Parlamento.”
Segundo Leur, os processos serão tratados de acordo com o regimento, “garantindo a legítima defesa dos representados e os trâmites regimentais”.
“Agora, o que a gente espera é que as representações tenham fundamentos. Não adianta banalizar também as representações para o conselho", declarou.
Representações
A pauta do colegiado prevê a instauração (veja abaixo como funciona o rito processual) de sete representações nesta terça:
▶️PSB x Carla Zambelli (PL-SP): a sigla representou contra a deputada por ter xingado o deputado Duarte Júnior (PSB-MA) em uma reunião da Comissão de Segurança Pública destinada a ouvir o ministro da Justiça, Flávio Dino. O partido pede a perda do mandato da deputada.
▶️PL x Márcio Jerry (PCdoB-MA): o PL acusa o parlamentar de importunação sexual e violência política de gênero (veja vídeo abaixo) contra a deputada Júlia Zanatta (PL-SC). Jerry nega e afirma que situação foi deturpada pela parlamentar. Partido quer perda do mandato do deputado por quebra de decoro parlamentar.
▶️PSOL, PDT, PSB, PCdoB, PT x Nikolas Ferreira (PL-MG): o deputado fez uma fala transfóbica no plenário da Câmara. Nikolas disse que as mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres. Pouco antes dele, subiu à tribuna a deputada Erika Hilton (PSOL-SP). Ela e Duda Salabert (PDT-MG) são as primeiras deputadas federais transexuais da história. O deputado desrespeitou as deputadas ao vestir uma peruca e dizer que, no Dia Internacional da Mulher, se sentia uma mulher. As siglas pedem a perda do mandato do deputado por quebra de decoro parlamentar.
▶️PP x Juliana Cardoso (PT-SP): partido diz que deputada Juliana Cardoso (PT-SP) quebrou o decoro parlamentar ao gritar “barbárie” e chamar de “assassinos” parlamentares favoráveis à urgência do projeto que dificulta a demarcação de terras indígenas, incluindo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O PP pede aplicação de sanção cabível contra a deputada.
▶️PT x José Medeiros (PL-MT): o deputado federal Miguel Ângelo (PT-MG) disse ter sido agredido (veja vídeo abaixo) pelo deputado José Medeiros durante sessão plenária. Ele tentou apaziguar uma discussão entre Medeiros e a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) quando levou uma cotovelada e uma pisada no pé de Medeiros. Partido pede aplicação de sanção cabível contra o deputado.
▶️PL x Talíria Petrone (PSOL-RJ): partido acusa deputada de quebra de decoro parlamentar por ter lembrado, durante reunião da CPI do MST (veja vídeo abaixo), de investigações que miram o relator, deputado Ricardo Salles (PL-SP). Partido pede aplicação de sanção cabível contra a deputada.
▶️PT x Eduardo Bolsonaro (PL-SP): o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro se desentendeu com o deputado Marcon (PT-RS) em uma reunião da Comissão do Trabalho da Câmara (veja vídeo abaixo). A confusão começou quando o Eduardo disse que a esquerda não o enganava. Ele citou o episódio da facada contra o pai na campanha de 2018. O microfone da comissão oficial não transmite a fala, mas Eduardo afirma que o deputado Marcon disse que a facada foi “fake”. Eduardo se levantou e se dirigiu para onde estava Marcon. Os dois foram mantidos separados por colegas. Partido pede aplicação de sanções cabíveis contra o deputado.
Eduardo Bolsonaro e deputado do PT brigam durante reunião da Comissão de Trabalho
Rito dos processos
Até as eventuais punições, os processos precisam seguir uma série de ritos.
▶️Instauração:
- O presidente do Conselho de Ética vai sortear uma lista tríplice para fazer a escolha dos relatores — são excluídos do sorteio os deputados que forem do mesmo partido ou estado do parlamentar;
- A partir do sorteio, o presidente do conselho escolhe um nome para relatar o caso;
- O relator terá prazo de 10 dias úteis para apresentar um parecer preliminar, que poderá ser pelo prosseguimento ou arquivamento do caso.
▶️Prosseguimento do caso:
- Se o conselho decidir pelo prosseguimento do caso, o deputado é notificado e tem 10 dias úteis para apresentar a defesa por escrito;
- A etapa seguinte é a coleta de provas e depoimentos de testemunhas (da acusação e defesa), o que poderá durar, no máximo, 40 dias úteis;
- Ao final desse prazo, o relator tem mais 10 dias úteis para apresentar o parecer, que deve ser votado pelo Conselho de Ética;
- O relatório pode ser pela absolvição ou aplicação de punição, que vai de censura à perda do mandato parlamentar;
- O prazo máximo de tramitação no conselho é de 90 dias úteis.
▶️Conclusão do processo:
- Concluído o processo no Conselho, o deputado pode recorrer do resultado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara;
- Se o Conselho de Ética decidir pela suspensão ou cassação do mandato de um parlamentar, o processo segue para o plenário da Câmara, que terá a palavra final.
Fonte - TV Globo e g1 — Brasília