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Bebê com ossos de vidro e hidrocefalia vai para casa após viver um ano internada em hospital de Ribeirão Preto, SP

Larinha foi diagnosticada com osteogênese logo após o nascimento; doença afeta um a cada 20 mil nascidos. Necessidade de ventilador para respirar levou pais à Justiça e a promover vaquinha para comprar equipamento.

A bebê Lara Rebeca, a Larinha, passou 1 ano internada em um hospital particular de Ribeirão Preto, SP — Foto: Fernanda Souza/Arquivo Pessoal

A cabeleireira Fernanda Aparecida Souza sempre sonhou em ser mãe, e ela conseguiu realizar esse sonho duas vezes: primeiro, com a Sara Helena, de 4 anos, e depois com a Lara Rebeca, a Larinha, de 1 ano e 3 meses. Mas, para levar a caçula para casa, a família percorreu um longo caminho: a bebê ficou um ano internada em um hospital de Ribeirão Preto (SP).

Larinha nasceu no dia 2 de março de 2022, por volta das 11h30, em Ribeirão Preto. Ela saiu do útero da mãe e foi direto para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pois tinha diversas fraturas causadas por uma doença rara chamada osteogênese, que afeta a formação dos ossos.

A gestação correu normalmente, mas durante o acompanhamento, a médica suspeitou de que poderia haver algo de errado com a bebê. “Ela falou: ‘Fê, eu achei uma anomalia na perninha dela. Pode ser que ela seja anazinha, mas isso a gente não tem como ter certeza’”, lembra Fernanda.

Apesar de fazer diversos exames e ser acompanhada como gestante de alto risco, Fernanda não se abalou. “Para nós, era o de menos. Importante era a neném estar bem”, afirma.

Tudo correu bem até o nascimento. A cesárea foi marcada e a caçula da família veio ao mundo com as pernas cruzadas, roxa da barriga para baixo.

Cerca de dez horas após o nascimento, a família recebeu a notícia que mudaria a vida dela para sempre.

“A médica me falou: ‘olha, mãe, a sua bebê ela está dentro das 24h, e a gente não sabe se ela vai passar dessas 24h porque ela é um bebê que nasceu com várias fraturas na cabeça. Ela tem várias fraturas no tórax, nas mãozinhas. Ela nasceu com uma doença chamada osteogênese imperfeita. Criança, quando nasce assim, geralmente não sobrevive’”, lembra Fernanda.

Foi o início de uma série de desafios. “Eu acho que essa força vem da minha fé, e a Larinha veio para dar mais força, mais união pra gente”, afirma a mãe.

A bebê Lara Rebeca, a Larinha, passou 1 ano internada em um hospital particular de Ribeirão Preto, SP — Foto: Fernanda Souza/Arquivo Pessoal

Doença rara

De acordo com Breno Neury, médico doutor pelo Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, a osteogênese imperfeita é uma doença genética rara que ocorre em um a cada 15 ou 20 mil nascidos. A criança apresenta uma fragilidade esquelética extrema.

“Ela ocorre devido a deficiência de produção do colágeno tipo 1, sintetizado no retículo endoplasmático, dentro da célula, sendo um componente estrutural essencial dos ossos, ligamentos e tendões”, explica.
Devido a essa fragilidade óssea, que pode causar diversas fraturas, a doença também é conhecida como ossos de vidro ou cristal.

Os médicos não acreditavam que Larinha passaria do primeiro dia de vida e a diagnosticaram com o grau mais grave da doença.

Apesar de abalada com as palavras da médica, Fernanda não se intimidou pelo diagnóstico. “As pernas bambearam, mas eu falei: ‘se Deus deu, é porque ele tem algum propósito’. Ele já sabia que ela seria bem-vinda”, afirma a mãe.

A médica e a equipe que trouxeram Larinha ao mundo estão longe de serem os únicos a pensar que a menina não sobreviveria por muito tempo. Até hoje, a mãe lê comentários do tipo.

"Às vezes, as pessoas falavam para mim que era melhor deixar ela descansar, como se eu tivesse que entregar minha filha. Uma médica chegou a falar assim: ‘ó, mãe, você pode ter outros filhos’”, lembra Fernanda.
Mas Fernanda não precisa e não quer outros filhos para substituir a Larinha. “Eu lembro que peguei na mãozinha dela e ela deu aquele suspiro, tipo, ‘mãe, eu estou aqui’. E até hoje ela é assim: eu chego perto dela e ela me olha e parece que ela está agradecendo”, diz Fernanda.

Segundo Breno Neury, além das fraturas sem causa aparente e dos ossos curvados, outros dois sintomas são típicos da osteogênese: branco dos olhos (esclera) azulados e rosto em forma de triângulo. A Larinha apresenta os dois sintomas, especialmente o da cabeça, já que também desenvolveu hidrocefalia.

A bebê Lara Rebeca, a Larinha, passou 1 ano internada em um hospital particular de Ribeirão Preto, SP — Foto: Fernanda Souza/Arquivo Pessoal

Hidrocefalia

O médico explica que a hidrocefalia é o acúmulo de líquido dentro do cérebro, que pode ser causado por aumento da produção de líquor, substância que garante proteção mecânica e amortecimento entre o encéfalo e a medula espinhal contra choques e pressão, ou por alguma obstrução do fluxo de líquor no cérebro.

“Em bebês, quando esta hidrocefalia apresenta sintomas como crescimento da cabeça, fontanela abaulada, que é a moleira popularmente conhecida, veias dilatadas na cabeça, irritabilidade, olhos que parecem olhar para baixo, convulsões, náuseas, vômitos e sonolência progressiva, é indicado cirurgia”, explica Neury.

Segundo o especialista, existem vários artigos científicos que relacionam a osteogênese com alguns casos de hidrocefalia. A depender da causa do acúmulo de líquido, a hidrocefalia pode ser classificada como obstrutiva ou comunicante, o que é diagnosticado por meio de exames de imagem. A partir disso, é definido qual procedimento é mais adequado para o caso.

Logo após nascer, Fernanda desconfiou que a filha poderia desenvolver hidrocefalia. Mas, segundo ela, os médicos afirmavam que o estranhamento que a mãe sentia quando via a cabeça da bebê era por conta das fraturas no crânio. Com o tempo, não teve como ter dúvidas.

Ao longo dos meses, a cabeça da menina foi crescendo cada vez mais. Ela precisava passar pela cirurgia, mas além disso, outro problema impedia a Larinha de ir para casa.

Sarah Helena brinca com a irmã mais nova, Lara Rebeca, a Larinha, que passou 1 ano internada em um hospital particular de Ribeirão Preto, SP — Foto: Fernanda Souza/Arquivo Pessoal

Dependência de oxigênio

Com três meses de vida e a muito custo, os pais até conseguiram levar a menina para casa, mas a estadia só durou nove dias porque o convênio não liberou o homecare.

Para dificultar ainda mais, por falta de orientação correta, Fernanda deu, de uma só vez, as vacinas indicadas para a fase de vida da menina naquele momento. Mas Larinha, por causa da osteogênese, não é como as outras crianças e o organismo dela reagiu muito mal. A família voltou para o hospital, e foi para ficar.

O aparelho que Larinha precisa para conseguir respirar bem é um ventilador mecânico. O convênio não cobriu o aparelho, que custa em torno de R$ 65 mil.

Os pais entraram na Justiça, brigando com o convênio e também com a burocracia. O pedido foi negado uma, duas, três vezes. Foi quando Fernanda decidiu fazer uma vaquinha. “O médico me disse que eu poderia tentar, mas que achava difícil eu conseguir”.

No começo, de fato, não houve progresso. Mas, quando a história chegou ao perfil Razões para Acreditar, foi questão de tempo. Pouco tempo, aliás.

Enfim, casa

Após a publicação, a vaquinha para arrecadar os R$ 65 mil atingiu a meta em duas horas. Em oito horas, o valor arrecadado chegou aos R$ 200 mil. Além de comprar o ventilador mecânico, a quantia extra ajudou a família a adaptar o quarto e a arcar com as despesas do homecare.

Antes de ir para casa, Larinha precisou passar por uma neurocirurgia para tratar da hidrocefalia, que já estava em grau avançado. O procedimento, realizado há cerca de um mês, ajudou a drenar um pouco do líquido acumulado na cabeça da pequena e foi considerado um sucesso pela família.

Após a cirurgia, Larinha ainda passou alguns dias no hospital em recuperação. A família aproveitou o tempo para deixar tudo pronto em casa e receber a moradora especial.

Pouco mais de uma semana depois, o sonho finalmente virou realidade. O quarto da bebê, planejado desde antes do nascimento, estava pronto para recebê-la. Depois de muita luta, Fernanda conseguiu passar o Dia das Mães em casa, com as duas filhas.

“Eu fico muito grata de ter elas. Ser mãe foi realizar um sonho. Elas são perfeitas, as duas. Pra mim, não tem diferença. Independentemente do que tiver, pra mim, as duas são especiais”, diz.
Em frente

Com a filha em casa, Fernanda afirma que a luta continua para assegurar que Larinha seja bem cuidada e tenha o acompanhamento das enfermeiras. Hoje, ela se dedica integralmente a cuidar das duas filhas e vê que não está sozinha.

“Eu converso com outros mãezinhas, e a gente briga pra ter nossos direitos, não pra ter coisa a mais”, diz.

A família agora busca um advogado para ajudar Larinha a manter o homecare, já que o convênio atual tem ameaçado trocar as enfermeiras que já estão inseridas na rotina da menina. Os pais também estudam a possibilidade de trocar de assistência médica, mas relatam dificuldade em relação a preços e tempo de carência.

“Quando você fala que tem uma criança, que veio com uma síndrome, que precisa trocar, aí é que parece que piora. Tudo aumenta, tudo fica mais caro”, desabafa a mãe.

Mesmo com as dificuldades, desistir nunca foi e nunca será uma opção para Fernanda.

“Os médicos falam a estimativa de vida é três, quatro anos. Eu falo: quem são eles para saber quanto tempo vai viver uma pessoa? Eu acho que é Deus que permite tudo, e a hora que ele tiver que levar, ele vai levar. Mas nenhum deles pode falar do tempo dela. Ela já mostrou para eles, várias vezes, que não está de brincadeira”, afirma.

Fonte - g1 Ribeirão Preto e Franca

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