Marta Diez acredita que 2023 será um ano de definição sobre quem deve ou não receber doses de reforço e que vacinas bivalentes adquiridas pelo Brasil são suficientes para enfrentar os próximos doze meses
Marta Diez: a pandemia acabou Marcus Steinmeyer
Marta Diez, Presidente da Pfizer no Brasil, lembra da apreensão que acompanhava as primeiras negociações para incluir os imunizantes com a nova tecnologia de RNA mensageiro contra Covid-19 nos calendários de vacinação globais.
— Eram vacinas complexas do ponto de vista logístico, tínhamos que trazer muitas, em condições complicadas. Por terem sido produzidas muito rápido, não tinham conservantes e teriam que ser acondicionadas a 70 graus abaixo de zero— recorda-se.
Nessa época, a executiva ocupava o cargo de presidente da companhia no Chile, Equador, Peru e Bolívia, simultaneamente. Foi transferida para o principal cargo da companhia no Brasil em fevereiro de 2021, quando capitaneou a inserção do imunizante no país.
Passado o desafio inicial — debelado pela alta demanda pelas vacinas e mais caixas transportadoras que protegeram as doses na temperatura certa — Marta agora se permite observar a realidade sob uma análise mais positiva. — Não estamos mais em 2020 — diz, referindo-se ao ano em que a pandemia correu sem vacinas, medicamentos nem boas estratégias terapêuticas. Acredita, inclusive, que o período pandêmico acabou, resta uma doença circulante. Em entrevista ao GLOBO, falou sobre a produção brasileira da vacina da Pfizer, reforço para bebês, do impacto dos grupos antivacina e que 2023 será um ano de “transição”, para as doses de reforço. Confira trechos da entrevista.
O Brasil adquiriu 150 milhões de doses de vacina em 2022. Por volta de 43% desse total será de imunizantes bivalentes (adaptadas para cepa ômicron). Quando será suficiente para o país entrar em uma situação confortável?
É difícil definir o que é um momento mais confortável, né?
A pandemia acabou, mas a doença (Covid-19) não. E não sabemos se vai acabar, essa é a realidade. Tudo aponta que a doença vai ficar de forma endêmica para muitos países. Se vai ser uma vacinação anual também não sabemos. Quanto aos contratos de compra de vacina e ao aditivo assinado em 30 de dezembro (de 50 milhões de doses bivalentes, a serem entregues até junho), acho que o Brasil está confortável para este ano sem nenhuma dúvida. O país tem as doses que precisa para este ano. Para 2024 ainda é cedo para falar.
A Pfizer planeja descontinuar a vacina com a cepa original?
Temos que considerar que a vacina bivalente tem aprovação somente como dose de reforço. As doses iniciais, no momento, têm que ser oferecidas com a vacina original. Alguns países utilizam essa, o Brasil também. A vacina monovalente ainda tem seu espaço. A tendência é ir mudando e permaneça a vacina bivalente, mas neste momento há pessoas sem vacinação que têm que usar a vacina monovalente.
Quando a Pfizer pedirá o pedido de autorização de uso de vacina bivalente para crianças com menos de 12 anos? E para os bebês a partir de 6 meses, haverá reforço?
Temos aprovação de vacina bivalente a partir de 12 anos. Já submetemos à Anvisa o pedido para uso da vacina bivalente de 5 a 11 anos, como reforço. O reforço da “baby”, ainda estamos preparando os dados, não temos a data que faremos esse pedido.
Qual é a análise que é possível fazer do atual momento em relação à da disseminação de Covid-19 do volumes de mortes?
A pandemia acabou e não estamos mais em 2020, isso está muito claro. Estamos num ano em que há uma doença que temos que aprender a conviver, a coisa boa é que temos vacinas e temos antivirais. Temos ferramentas para combater a pandemia e a doença por si só. Não devemos inclusive nos acomodar no fato de que há um antiviral, a vacina segue como ferramenta número um. A prevenção é o principal, mas ainda há pessoas que ficam muito doentes. Para as pessoas que ficam doentes com algum agravamento, a exemplo de quem é idoso ou imunossuprimido, há um antiviral para elas. Temos ferramentas para evitar as mortes. A situação nos passa mais segurança.
Por falar em grupos de risco, ainda se oferece doses de reforço para pessoas jovens e saudáveis. Chegando à quarta aplicação. Caminhamos para um futuro de revacinação de todos?
Cada país vai tomar sua decisão, os programas de vacinação são de responsabilidade de cada governo. O que eu tenho ouvido é que deve-se encaminhar para uma vacinação para grupos de risco, como ocorre em outras doenças, caso da influenza. Defender o que são grupos de risco caberá aos governos. É uma decisão que envolve custo de vacinar e risco de não vacinar toda a população. Provavelmente 2023 será um ano de transição, quando o governo decidirá quem recebe as doses e quem não recebe. Inclusive até o Ministério da Saúde está mudando, neste momento.
Já falaram com o novo governo? Qual a expectativa da mudança de pasta?
Ainda não, assumiram há poucos dias. A Pfizer está no Brasil há 70 anos, nesse tempo passaram todos os partidos. Nosso trabalho não é com o Ministério, é com a população. Então, vamos trabalhar bem com quem estiver lá.
O Brasil viveu uma campanha muito grande de desinformação em relação à vacinação, por vezes até vindo do governo federal, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. O que tem sido feito para debelar esses efeitos?
Não foi uma exclusividade do Brasil, foi um movimento global. Algo muito infeliz, as vacinas têm um valor muito grande para a população. Essa campanha de fake news faz mal à toda sociedade. Muitas pessoas ainda não têm informação de boa qualidade, diante disso o que podemos trazer é ciência, informação reforçada em dados científicos. Sempre haverá pessoas que não vão acreditar por diversas razões. Mesmo assim seguiremos com as campanhas de informação, convidando médicos com credibilidade para que tentem convencer as pessoas do que é melhor.
O Brasil se saiu bem na vacinação, mas há diversas nações do mundo sem acesso às vacinas. Qual o papel da companhia nesse cenário?
O que nós podemos fazer é disponibilizar essa vacina e fazer isso com um preço que todos possam pagar. Temos essa política de preço diferenciada: garantimos que os países ricos tenham um preço maior, os países de média renda menor paguem menos e que os países pobres recebam as doses praticamente com preço de custo. Queremos garantir que, se algum pais não vacina, que não seja pelo preço (da dose). Mas o preço não é a única razão para desigualdade vacinal. Há a política, a logística, ou há dificuldades culturais e ligadas à geografia. No Brasil temos, ou tínhamos, uma cultura de vacinação muito forte, o que levou à alta adesão. Mas nem todos os lugares são assim.
A Pfizer tem um acordo de cooperação com uma farmacêutica brasileira para a produção de vacina contra Covid-19 no Brasil, como está o andamento desse contrato?
O acordo foi assinado em 2022, já estamos preparando as instalações. É algo complexo. A fábrica fica em Itapevi, na Grande São Paulo, e está pronta para começar as produções de teste. Algo que deve ocorrer entre fevereiro ou março. E então há diversas aprovações da Anvisa para ocorrer. A depender dessa liberação, podemos fabricar as primeiras doses no Brasil (para uso) em maio. O nosso objetivo era ter uma produção na América Latina. Em termos de benefício, é a mesma vacina produzida em outros locais do mundo, o que talvez tenha de diferencial é um maior volume de doses ao Brasil e à América Latina (se for necessário). Também não há previsão que se reduza o preço por dose, sobretudo porque estamos montando uma nova fábrica.
Fonte - O Globo