Gustavo Ribeiro participa do mutirão para ouvir bolsonaristas e diz que a maioria não deveria estar presa; veja seus argumentos
Arquivo pessoal
O defensor público da União Gustavo Ribeiro integra o grupo de sua categoria que está participando das audiências de custódia dos bolsonaristas presos após os ataques do 8 de janeiro. Ele conta que os defensores organizaram um mutirão e não medem esforços para cumprir a missão de ouvir essas pessoas e acompanhá-las.
Ribeiro atua no Supremo Tribunal Federal (STF), em casos que envolvem acusados de furtos que se enquadram no princípio da insignificância , como extrair biscoito em supermercado. No caso dos bolsonaristas, Ribeiro diz que boa parte dos presos é de “inocentes úteis”, ou seja, pessoas que vieram a Brasília sem uma causa definida, pressionada por terceiros e até mesmo pela possibilidade de viajar até a capital federal de graça.
Nessas audiências – mais de 1.200 pessoas já foram ouvidas – o papel do defensor não é julgar se o preso cometeu ou não algum crime, mas se as condições de sua prisão estão nas regras, se não há abusos e se há necessidade de o acusado estar detido. Avalia se não pode responder em liberdade, e não em prisão cautelar.
Abaixo, os principais trechos da entrevista do defensor ao Blog do Noblat.
Blog do Noblat – O sr. tem participado das audiências de custódia, ouvindo os presos pelos atos do dia 8 de janeiro. Como está esse processo?
Gustavo Ribeiro – Pela quantidade de pessoas presas, a Defensoria Pública foi chamada para atuar. As pessoas que não tivessem como pagar seriam atendidas por nós. Sabendo que seriam muitas pessoas, a DPU se organizou,nos dividimos e fizemos um mutirão. Casos incontáveis, o dia inteiro. Pessoal trabalho até 11 da noite, meia-noite. E várias audiências ao mesmo tempo, e todas online. Em várias salas, seis ao mesmo tempo. Eu mesmo ouvi muitas pessoas, algumas idosas.
Blog do Noblat – E como estão se dando essas audiências, qual o papel de vocês, defensores?
Gustavo Ribeiro – Primeiro, nessa primeira audiência, não se trata de condenar ou absolver, mas avaliar se a pessoa pode responder presa ou solta. Mas, por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, o juiz da audiência não pode decidir pela soltura. Mesmo que o Ministério Público pedisse. Nosso grupo da DPU ouviu até cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres. Tudo online. Não discutimos condenação, como disse, não o que fez ou não fez. Mas se teve irregularidade na sua prisão, se a pessoa está sofrendo violência, se a prisão é justificada.
Blog do Noblat – E o que as pessoas argumentam nos casos que o sr. acompanhou? Como se defendem, que argumentos usam?
Gustavo Ribeiro – Muitas pessoas disseram que tão somente vieram se manifestar. Pessoas que tinham muitas dúvidas do que sequer estava acontecendo. Pessoas em situação de rua, que fizeram excursão e viu ali uma oportunidade de viajar de graça. Esse tipo de coisa aconteceu. Temos que saber se realmente tinham noção da pauta. Acredito que boa parte tenha sido usada como massa de manobra.
Blog do Noblat – O sr. tem essa convicção de que boa parte das pessoas de fato não tinham noção?
Gustavo Ribeiro – Sim. Tinha gente que veio a Brasília porque foi chamada. Gente que respondeu: ‘vou lá lutar pela família, pela minha família. Gosto do Brasil. Pessoas que sequer sabiam como funciona Brasília, o significado de cada prédio.
Blog do Noblat – O sr. entende ser um exagero em alguns casos manter essa pessoas presas?
Gustavo Ribeiro – Acho. Por exemplo: tem gente presa ali que, por questão de saúde, bastante fragilizada, não tem condição condição de quebrar alguma coisa. Não digo que essas pessoas nada fizeram, mas o que discutimos é a necessidade de se manter ou não essa pessoa presa. O que uma senhora de 70 anos pode fazer? Nesse primeiro momento, não se discute culpa, mas a necessidade de prisão. Pessoas que fisicamente não tem força para nada. Gente que recebe um benefício assistencial, que poder tem para realizar um tumulto?
Blog do Noblat – O sr. entende que a maior parte das pessoas presas – mais de mil – não deveriam estar ali? Poderiam responder em liberdade?
Gustavo Ribeiro – Digo que boa parte, ainda que venha a responder a processo, não tem razão dessa prisão preventiva. A maioria dessas pessoas, que fizeram audiência com a defensoria pública, ainda que venham a responder processo, não tem razão para prisão cautelar. Liberar uma pessoa idosa, uma pessoa de situação de rua. Que risco pode oferecer. É ínfima a chance de que um fato como esse se repita. A maioria dos casos é sim exagerada.
Blog do Noblat – Mas o fato de as pessoas estarem ali na Esplanada por si só, mesmo sem ter atuado diretamente, não é uma situação complicada?
Gustavo Ribeiro – Teve gente que foi lá e o que fez foi tentar se proteger, do corre-corre, da bagunça. Estava ali na Praça dos Três Poderes e tentou se abrigar da bomba de gás. Tem gente que foi conduzida, como acontece em tumultos como esses. Vai para onde é possível. E se sente pressionada. Tem gente, caso de uma senhora, que disse: ‘fui onde falava para eu ir’. Particularmente, das audiências que fiz, não me parece que eram pessoas com poder de liderança. Nós comentamos que percebemos carência e vulnerabilidade muito grande. Algumas pessoas que, quando viram o tumulto, nem sabiam o que fazer. Tentavam se proteger.
Blog do Noblat – Sobre críticas de que a defensoria possa estar protegendo em excesso essas pessoas?
Gustavo Ribeiro – Inicialmente, preciso destacar que todos têm direito à defesa em uma democracia. O que ocorrerá é a distinção dos diversos graus de responsabilidade e participação. Além disso, em um primeiro momento, discute-se tão somente a prisão cautelar e no curso do processo as responsabilidades serão apuradas. Não tem isso. As câmeras de vigilância vão mostrar quem estava ali, quem foi conduzido. Até melhor do que as palavras das pessoas nos depoimentos. O caso do rapaz do relógio. O vídeo é melhor que qualquer coisa. A defesa, nesse caso, atua para atenuar, amenizar, mudar a tipificação do crime. Ninguém, claro, concorda com um ato contra a democracia. Não há como concordar com isso. Não só do ataque ao prédio público, físico. A quebra de bens históricos. Defendemos a democracia. Agora, essas pessoas têm direito à defesa. Será preciso separar os níveis de responsabilidade. Há níveis distintos. Diante das provas, fica até difícil da pessoa negar. Boa parte das pessoas que está presa é inocente útil. Muito mais isso do que efetivamente perigosa. Não é que não tenham lideranças, que pensaram naquilo tudo, arquitetaram. Tudo tem que ser apurado no processo. Agora, tem casos de prisão cautelar que não se justifica. Se aparecer um vídeo novo que demonstre o contário, vai responder de acordo com o que fez. E até justifique uma prisão mais gravosa. Muita gente cometeu crime, evidente. Não nego isso. Seria ingênuo e hipócrita.
Blog do Noblat – O que o sr. depreende desse episódio?
Gustavo Ribeiro – Chamo a atenção para uma coisa. A resposta não é só penal. É muito nítido nessas conversas, com essas pessoas, observar a fanatização. Além disso, da fanatização, chama a atenção o desconhecimento da realidade de parte das pessoas.A plantação de fake news nas redes, que se alastram, e as pessoas acreditam. Quais as consequências disso? É algo a se pensar.
Fonte - Metrópoles