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BRASIL - Maria da Penha: lei que mudou combate à violência faz 16 anos e evolui

Ao longo desse tempo, a legislação abriu caminho para a criação de outras leis de proteção às mulheres

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Arte/Metrópoles

Considerada inovadora por organismos internacionais de proteção aos direitos das mulheres, a Lei Maria da Penha começou a criar, há 16 anos, mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Apesar das grandes contribuições, porém, ainda há um caminho longo para melhorar o cenário.

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho deste ano, apontam que três mulheres morrem diariamente no Brasil por feminicídio.

Entre 2020 e 2021, h0uve redução de 1,7% no número de homicídios de mulheres em razão do gênero. No entanto, cresceu em 23 mil o número de chamadas de emergência para a Polícia Militar solicitando atendimento para casos de violência doméstica.

No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento.

O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer.

Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime.

Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal.

A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro.

A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos.

No entanto, foi somente em 2012 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade dessa lei.

Bater em alguém é crime no Brasil desde 1940. Contudo, a Lei Maria da Penha foi criada para olhar com mais rigor para casos que têm mulheres como vítima, na esfera afetiva, familiar e doméstica.

Em outras palavras, a aplicação da Lei Maria da Penha acontece dentro do conceito de vínculo afetivo. O(a) agressor(a) não necessariamente precisa ter relação amorosa com a vítima, já que a lei também se aplica a sogro, sogra, padrasto, madrasta, cunhado, cunhada, filho, filha ou agregados, desde que a vítima seja mulher.

Além disso, não importa se o agressor deixou ou não marcas físicas; um tapa ou até mesmo um beliscão é suficiente para que a ocorrência seja registrada.

Segundo o advogado Newton Valeriano, “não é necessário ter testemunhas”. “Esse tipo de violência ocorre, principalmente, quando não há pessoas por perto. Portanto, a palavra da vítima é o que vale para começar uma investigação. Além disso, o boletim de ocorrência e a medida protetiva não podem ser negados”, disse o especialista.

Apesar do que muitos pensam, a agressão física contra a mulher não é o único tipo de violência que se enquadra na legislação. O artigo 7º da Lei Maria da Penha enumera os crimes tipificados pela norma: violência psicológica, sexual, patrimonial ou mora.

Caracteriza-se como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e que vise controlar decisões. Além disso, ameaças, constrangimento, humilhação, chantagem, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Caracteriza-se como violência sexual qualquer conduta: que constranja a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais não desejadas; que a induza a usar a sexualidade; que a impeça de utilizar contraceptivos; que force uma gravidez ou um aborto; e que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos.

Já a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer necessidades.

Violência moral é considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Há alguns anos, debates sobre a inclusão de mulheres transexuais na Lei Maria da Penha influenciaram decisões judiciais que garantiram medidas protetivas a elas. Sentenças dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de Santa Catarina e de Anápolis abriram precedentes para a discussão.

Apesar disso, nas vezes em que foram incluídas, as mulheres trans precisavam ter passado pela cirurgia de redesignação ou alterado o registro civil.

No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento.

O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ao Metrópoles a advogada Anabel Pessoa, coordenadora do projeto As Penhas e co-fundadora do Instituto Maria da Penha, explica que a criação da lei revolucionou o enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil.


“A Lei Maria da Penha é uma construção social e política. Hoje, é um movimento de todas as searas de mulheres. A situação da Penha veio em uma conjuntura onde já existia uma pressão social para a criação deum projeto de lei. A partir daí, o movimento de mulheres passa a dar outro direcionamento e força para o nosso parlamento certificar e promulgar essa lei”, pontua.

Evolução

Após a sanção da lei, o país avançou na criação de mecanismos para proteger mulheres e para punir os agressores. Em 2015, o governo federal sancionou a Lei do Feminicídio (13.104), que prevê o gênero como circunstância qualificadora do crime de homicídio, além de incluí-lo na lista de crimes hediondos.

A medida possibilitou maior acesso aos dados específicos sobre morte de mulheres devido ao gênero, além de punição mais rígida aos autores.

Outro avanço foi a aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres transexuais, autorizada pela primeira vez em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em abril deste ano.

Instâncias ordinárias por todo o país já tinham entendimento de beneficiar mulheres trans com a lei. No entanto, essa não era uma medida unificada. Após a decisão do STJ, os tribunais de primeira instância agora têm jurisprudência para votar no mesmo sentido.

Em 2021, o governo sancionou leis que incluíram no código penal os crime de perseguição e violência psicológica contra a mulher. No mesmo ano, foi sancionada a lei 14.164, que inclui conteúdo sobre prevenção da violência contra a mulher nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Anabel pontua que a Lei Maria da Penha ainda é nova, e que os desdobramentos da legislação têm se adaptado à realidade das mulheres no país.

“São 16 anos, a lei está aflorando ainda. E a sociedade está em um processo de transformação. Quando a lei surge, ela vem para prevenir e punir o processo de agressão na violência doméstica. Surge, com ela, outras ramificações que se fazem necessárias para o fortalecimento dessa lei”, explica a advogada.

Participação social

Além das melhorias na legislação, a participação social é um ponto fundamental no combate à violência contra a mulher. É o que avalia Flávia Portela Carvalho, presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) da região central de Brasília e fundadora do projeto Elas com Elas.

A ação oferece palestras e suporte psicológico para mulheres vítimas de violência doméstica, com eventos realizados nas regiões mais carentes do Distrito Federal. Flávia conta que, apesar da legislação de amparo às mulheres, grande parte ainda tem medo de denunciar agressões.

“Poucas denunciam. É um pouco por questões econômicas, mas conhecemos alguns casos de pessoas muito bem na carreira e financeiramente mas que têm aquela dependência psicológica. Veem o agressor como coitadinho, como alguém que tem que se protegido”, relata.

Ela conta que o projeto organizou seis etapas de eventos neste ano, com mais de 300 mulheres inscritas. O número de participantes não chegou a 200.

“Aos poucos a gente tenta saber dos motivos. Os maridos proibiram as mulheres de ir ao evento. Não adianta só ter a Lei Maria da Penha se a informação não chega a essas mulheres da maneira adequada ou acessível, explicando o que são as leis, o que é violência física e moral, no trabalho, nos meios de transporte”, opina Flávia.

Para a fundadora do projeto, os governos, em todas as esferas, devem intensificar as campanhas de conscientização sobre os direitos das mulheres. Especialmente para os grupos mais vulneráveis, formados por negras, pobres e integrantes da comunidade LGBTI+. A participação de organizações do terceiro setor também auxilia na melhora do cenário, defende Flávia.

A história

Há 16 anos, em 7 de agosto de 2006, o Brasil ganhava uma das mais importantes leis de proteção às mulheres. A lei nº 11.340 foi sancionada 23 anos após a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que dá nome à norma, sofrer o primeiro caso de violência doméstica.

Em 1983, a cearense foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte do então marido, Marco Antonio Heredia Viveros. A mulher foi baleada nas costas enquanto dormia e ficou paraplégica.

Ela também chegou a ser mantida em cárcere privado por 15 dias. Depois, o marido ainda tentou eletrocutá-la durante o banho. O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas a sentença não foi cumprida.

A situação motivou a vítima a procurar organismos internacionais e, em 2001, o Brasil foi notificado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela negligência na resolução do crome. A organização elaborou uma série de recomendações ao país para o enfrentamento da violência doméstica. Anos depois, em 2006, a legislação que protege mulheres de casos de violência doméstica foi criada.

A legislação tem 46 artigos e sete títulos. Além de definir quem são as vítimas amparadas pela lei, o texto configura os tipos de violência como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Outro ponto da lei é criação de medidas de assistência às vítimas de violência doméstica e familiar, como a criação de medidas protetivas, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Centros de Referência da Mulher e Juizados de Violência Doméstica e Familiar.

Fonte - Metrópoles

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