Francisco Celso criou o projeto RAP com socioeducandos e aliou a música ao ensino; ele foi eleito um dos 50 melhores educadores do mundo
A cultura transforma. A educação traz oportunidades. A junção dessas fontes de conhecimento é tão poderosa que pode mudar radicalmente a vida de jovens infratores. É o que mostra o professor Francisco Celso, eleito um dos 50 melhores professores do mundo, de acordo com o Teacher Prize 2020, prêmio mundial que homenageia educadores e é organizado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Com o projeto RAP: Ressocialização, Autonomia e Protagonismo, o professor usa linguagens artísticas como fonte de propostas educacionais no Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Santa Maria.
Lixão com flor
Francisco fala sobre realidade e poesia. Explica a origem do rap como a união entre ritmos e versos que narram contextos sociais. “Onde estiver, seja lá como for, tenha fé, porque até no lixão nasce flor”. Ao cantar trecho da música Vida Loka, dos Racionais MC’s, o professor explica a prática do rap no sistema socioeducativo.
Hoje, o projeto RAP é premiado. Francisco é um dos 50 melhores professores do mundo e dedica toda sua trajetória aos socioeducandos. Neste momento de pandemia e aulas remotas, ele publicou vídeos, lançou livros, CDs, além do curta-metragem Sobrevivendo no Inferno, premiado na Rússia.
Com recursos do projeto, conseguiu colocar televisores no Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Santa Maria, onde envia vídeo-aulas para agentes sociais passarem para os estudantes, além dos materiais impressos.
“Lá [na cadeia], o cenário é mais ou menos esse. Um ambiente de muito sofrimento e de muito silenciamento dos corpos e das vozes. É um ambiente que tem muitos comportamentos autodestrutivos, mas que, mesmo nesse contexto de muito sofrimento, ainda existe muito potencial, muitas flores brotando”, aponta o educador.
“A verdadeira disciplina é o projeto comum, construído com eles, para eles e executado por eles, sempre estimulando o protagonismo e autonomia dos estudantes”, explica o professor.
Para os socioeducandos, o rap é inspiração, manifestação artística e forma de expressão
| Foto: Divulgação/Secretaria de Educação
Poesia que transforma
“Precisamos mudar um pouco o imaginário social que enxerga os socioeducandos como meninos-problema e meninas-problema. A verdade é que são meninos e meninas com muitos problemas. Enxergam eles como sendo violentos, mas a realidade é que são pessoas que sofreram várias formas de violência, desde os primeiros anos de vida e que, de repente, reproduzem violência, porque foi a pedagogia que foi ensinada para eles”, explica.
Segundo Francisco, a partir do momento em que são apontados novos caminhos, os jovens mostram o potencial e o talento que têm. Porém, para conquistar esse processo simultâneo de desconstrução e construção, é preciso mergulhar em referências cotidianas e, por meio delas, ampliar uma visão de mundo.
“Foi quando fui para o sistema socioeducativo, em 2015, que comecei a trabalhar especificamente com o rap. Percebi que os socioeducandos não se enxergavam nas histórias contadas nos livros didáticos, mas eles se viam nas histórias narradas nas letras de rap”, conta o professor.
Formado em história desde 2003 e professor da Secretaria de Educação desde 2008, ele explica que não escolheu o rap como ferramenta pedagógica, foram os próprios estudantes.
“Talvez eu tenha sido ali a pessoa que teve essa sensibilidade de perceber que eles não são copos vazios. Eles carregam letramentos que muitas vezes nós, professores, não temos. Eles trazem essa potência. O que eu faço é dar oportunidade para que essa potência seja amplificada”, afirma.
Mudança de trajetória
A realidade pode se apresentar com muito sofrimento, mas é, a partir dela, que o professor chama uma transformação: “Espero que, em um futuro próximo, as letras deles e delas não cantem só dor e só sofrimento, mas que cantem mais flores também, coisas bonitas e belas. Tudo isso depende de uma mudança de trajetória de vida”.
“Escutava a rádio Manchete, um programa de black music chamado Mix Mania. Ali comecei a pegar gosto. Fiz um curso de DJ em uma loja de discos no Venâncio 2000, ministrado na época pelo DJ Chocolate, e comecei atuar como DJ tocando no Guará”, lembra.
Na época, o rap era um dos pedidos recorrentes durante os shows e, ainda como estudante, Francisco viu a interação com o rap sair da descontração de festas e chegar até a sala de aula.
Fonte - Agência Brasilia - * Com informações da Secretaria de Educação
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