No Dia Mundial de Combate à Aids, Christiano Ramos, ativista do movimento, diz que preconceito ainda é o pior sintoma na sociedade
Quase 40 anos desde o surgimento dos primeiros casos no mundo, o vírus HIV tem provado que “grupos de risco” e outros termos usados para definir qual seria o perfil de quem estaria suscetível à doença é coisa do passado. A cada ano, as autoridades de saúde reconhecem que o movimento na proliferação dos casos está cada vez menos previsível. O cenário ocorre às vésperas do Dezembro Vermelho e no Dia Mundial de Luta contra a Aids, datas simbólicas para sensibilizar a população sobre o aumento de infecções pelo vírus.
Presidente da Amigos da Vida, organização não governamental que trabalha no acolhimento de pacientes que vivem com o HIV, Christiano Ramos alertou que o vírus está crescendo tanto dentro na população considerada mais jovem, de 14 a 29 anos, quanto em pessoas com idade superior aos 60 anos.
“O perfil indica uma situação muito preocupante. Nos últimos dois anos, os casos têm aumentado, sobretudo, em adolescentes e jovens, de 14 a 29 anos, além de idosos, pelo advento do viagra e de outros estimulantes. Essa população idosa voltou a ter uma vida sexual ativa e não há políticas públicas para esse novo cenário”, preocupou-se.
De acordo com a Secretaria de Saúde do DF, de 2014 a 2019, conforme dados do último boletim com informações sobre a infecções no Distrito Federal, foram notificados 4.102 novos casos de HIV+ e outros 2.150 de Aids, pacientes que desenvolvem os sintomas da imunodeficiência. Embora a pasta indique uma tendência de redução da média de ocorrências por 100 mil brasilienses, constatou-se também a curva de crescimento de pessoas com o vírus, mas sem a doença em si.
Pelo boletim epidemiológico do HIV/Aids, a faixa etária que ainda detém o maior número de infecções é de a 20 a 39 anos (32%). Já os casos de HIV diagnosticados concentram-se na faixa etária mais jovem, de 20 a 29 anos (46%). Proporcionalmente, o DF acompanha os dados nacionais. Segundo Christiano , a nova geração “perdeu o medo da Aids”.
“A população adolescente tem iniciado a vida sexual cada vez mais cedo, mas o que nos inquieta é que, na maioria das vezes, quando recebemos um adolescente que acaba de receber o diagnóstico, ele encara numa boa. Essa é a nova geração que não viveu o ‘boom’ da Aids, na década de 1980 e 1990. Quando é um paciente acima de 40 anos, ele chega na ONG desesperado, achando que vai morrer na semana seguinte. Por quê? Porque viu grandes ídolos como Renato Russo, Cazuza morrerem pela doença”, lembra.
Sorofobia
As reações, segundo o ativista, sinalizam a falta, por parte do Ministério da Saúde, de uma campanha direcionada a esses público, que minimiza os cuidados e até mesmo as consequências de carregar o vírus no corpo. Para Ramos, uma das maiores responsáveis por isso é a sorofobia, termo usado para definir o preconceito e a discriminação contra pessoas HIV+.
“A sorofobia se faz presente e muito. Vou te dar um exemplo: com tanto tempo de atuação nessa luta, eu cheguei a um ponto de evitar ter uma vida socialmente ativa. Como há muitas pessoas que têm o vírus mas não divulgam, vivem uma vida praticamente normal e tendem a não me querer por perto. Eles acham que a minha presença poderá associá-los à doença, o que é uma negação da realidade. Mas não posso interferir nesse comportamento. Isso deveria ser papel do Estado para mostrar que hoje em dia não existe mais todo esse tabu”, desabafa.
A falta de recursos e o desmonte de centros de referência para pessoas que tiveram diagnóstico positivo para HIV também estão na lista de reclamação do presidente da ONG. “A primeira coisa que a gente tem que observar é que falta dinheiro para prevenção e até para a assistência. Quando a gente fala de assistência, passa por uma campanha de desmitificar a doença, o preconceito. Sem dúvida, essa falta de investimento resulta nesse comportamento. O Brasil já foi referência para o mundo, mas está cada vez mais distante disso”
Para ele, o estigma ainda existente e prejudica o crescimento do debate sobre as reais necessidade do paciente atendido pelo Serviço Único de Saúde (SUS). “A gente tem trabalhado temas como o que é um a pessoa indetectável, que não transmite mais o vírus. Também fazemos a sensibilização para mostrar que, por mais incrível que pareça, é mais seguro, hoje, transar com quem você já sabe que tem o HIV do que com quem você não sabe”.
“Blindagem”
Além da sorofobia, outro motivo para a banalização da Aids é a popularização de duas terapias que viraram febre entre a população sexualmente ativa: a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP).
A PrEP é uma estratégia de prevenção. A terapia é disponibilizada a parceiros de pacientes HIV+, profissionais do sexo e pessoas que têm comportamento sexual considerado de risco, como múltiplos parceiros, por exemplo.
A PEP funciona como uma espécie de “pílula do dia seguinte”, indicada para pessoas que possam ter tido contato com o vírus recentemente. O ideal é que o medicamento seja administrado, no máximo, após 48 horas da situação de exposição ao vírus. Vítimas de violência sexual, por exemplo, são submetidas a essa terapia, como protocolo de segurança.
Nos dois casos, a falsa sensação de blindagem contra a doença acabou, segundo Ramos, incentivando a prática sexual sem os devidos cuidados. “Usam do jeito que querem, mas é bom lembrar que esses medicamentos só cobrem o HIV, mas há outras doenças que só são evitadas se houver o uso do preservativo. A Hepatite C, por exemplo, mata mais que a Aids hoje”, explica o ativista.
Para Ramos, a banalização da PrEP e da PEP é resultado da atual política adotada pelo Ministério da Saúde, que disponibiliza os medicamentos em unidades de saúde sem uma campanha nacional, para informar como as terapias funcionam. “Como as pessoas usam de forma recreativa, o desabastecimento é recorrente na rede pública local e o remédio não chega a quem precisa”, lamenta.
Ramos critica a gestão do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB), a quem responsabiliza pelo desmonte do programa local para combater o HIV/Aids. “Eram cinco centros, mas o Rollemberg acabou com todos. Hoje, um paciente que recebe o resultado positivo é atendido por um clínico e não por um infectologista. Não é só isso, o atendimento humanizado só acontece quando existe o centro de referência, com profissionais capacitados e treinados. Estávamos num diálogo com o atual governo, mas veio a pandemia interrompeu tudo. A gente está tentando retomar essa agenda”.
Procurada, a Secretaria de Saúde esclareceu que “os centros de referência para pacientes recém infectados pelo HIV estão retomando os atendimentos gradativamente, após o ápice da pandemia do coronavírus, quando os médicos dos centros foram redirecionados para o reforço do atendimento no Hran, hospital referência para a Covid-19”.
Fonte - Metrópoles
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