Jéssica Antunes
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Com a desvalorização da moeda brasileira, difícil é fazer render o salário mensal de um trabalhador. A crise econômica chegou diminuindo o poder de compra do brasiliense. Por aqui, a população faz malabarismo para tentar manter as contas em dia, enquanto mais de mil lojas fecharam as portas definitivamente no último ano. Para especialistas ouvidos pelo Jornal de Brasília, a situação é realmente complicada, mas diminuir o gasto supérfluo e, consequentemente, o padrão de vida, pode ajudar a sobreviver nesse período.
A comerciante Vanessa Soares Prudente, de 33 anos, diz que começou a sentir os efeitos da crise econômica já no meio do ano passado. De lá para cá, ela teve de fazer diversas adaptações em seu cotidiano. “Tivemos que cortar gastos em tudo”, confessa.
Ao longo de três anos, Vanessa viu seu mercadinho crescer no Setor de Indústrias Bernardo Sayão, no Núcleo Bandeirante. “Já passamos por dificuldades, mas igual a essa, nunca. Vínhamos crescendo. Chegamos a alugar uma outra loja para aumentar o espaço, mas não conseguimos. Não dá”, lamenta a comerciante.
O baque veio depois que cinco empresas das proximidades fecharam as portas. “O movimento diminuiu pelo menos 30%. A crise chegou e vamos ter que diminuir até mesmo o número de funcionários”, conta. Das cinco pessoas que lá trabalham, apenas duas permanecerão.
Porta fechada
De acordo com levantamento do Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista), 1.115 lojas de rua encerraram as atividades nos últimos seis meses, uma média de seis por dia. Apenas nos principais comércios da região central de Brasília, a entidade sindical contabiliza 244 desistências de negócios no período.
Queda nas vendas e alta nos valores de alugueis seriam os principais motivos para as baixas e, como consequência, o desemprego é afetado diretamente. A Associação Comercial do Distrito Federal (ACDF) contabiliza pelo menos 21 mil postos de empregos a menos desde o ano passado.
Efeito Cascata
Como um efeito cascata, a vida da família de Vanessa é impactada com a crise. “Estamos mudando de apartamento para outro com aluguel mais baixo. Até meu telefone celular não funciona mais e não tenho condições de arrumar ou comprar um outro. Hoje, estamos vivendo com o indispensável”, conta a comerciante.
Filhos
Além disso, ela terá, ainda, de passar a cuidar da filha de um ano e meio enquanto trabalha no mercado. “A moça que cuida da minha bebê já está cumprindo aviso prévio. Infelizmente terei de dispensá-la”, reclama.
Por sorte, tudo isso não afetou negativamente o estudo da filha mais velha. “Ela tem 13 anos e, depois que a escola avaliou nosso caso e viu que não tínhamos condições de manter a mensalidade, nos concedeu uma bolsa”, revela.
Diante de tudo isso, Vanessa pede: “Por favor, essa crise tem que passar logo”.
Saiba Mais
No caso de Vanessa, que é comerciante, uma dica de especialistas é contabilizar tudo que entra e tudo que sai no negócio. Liste as despesas fixas, como contas de água, luz e telefone, entre outras, e as despesas variáveis, aquelas relacionadas ao produto ou serviço que você oferece. Faça um controle de contas a receber.
Driblando a crise
O educador financeiro Sílvio Bianchi afirma que, de fato, medidas como as tomadas por Vanessa e Tatiana são “ideais no momento de grave crise econômica como a que enfrentamos”. Para ele, o segredo é reduzir o padrão de vida, ajustando-o ao nível de ganhos da família.
“Fazer isso não significa deixar uma cobertura para morar debaixo da ponte, por exemplo, mas cortar gastos supérfluos para poupar”, explica.
Ele elenca quatro passos estratégicos:
1 Conheça seus números: É preciso saber quanto entra de dinheiro líquido, mensalmente, para a família. Em que sua verba está sendo gasta? “Pra descobrir, recomendamos uma faxina financeira. Durante 30 dias, se tiver um salário regular, ou 90 dias, se for autônomo, você deve lançar todas as despesas que tem em casa e classificar por categoria - alimentação, transporte, roupa, condomínio”, explica. É preciso lançar o dia, o valor e a forma de pagamento para que seja possível visualizar o destino do dinheiro, identificar os gastos supérfluos e desperdícios.
2 Tenha metas: Com as contas claras, o especialista acredita que a melhor forma de não gastar é ter objetivos claros a curto, médio e longo prazo. “Nesse momento deixa-se de gastar não porque simplesmente tem que fazer, mas porque tem outra prioridade à frente”. Esses objetivos funcionarão como um norte e pesarão na hora de escolher como usar o dinheiro.
3 Tenha um bom orçamento mensal: Já ciente das categorias que mais ocasionam despesas no orçamento familiar, fica mais fácil controlar os gastos decidindo as prioridades para o mês seguinte. “Tendo controle do que é gasto, fica mais fácil manter o controle do dinheiro”.
4 Poupe: “Poupar não é investir em uma poupança, mas passar a gastar menos que antes. Todos os passos anteriores levam a isso”, revela Bianchi. Para o especialista, os quatro passos são a receita para passar sem grandes problemas por momentos de crise.
Malabarismo de cada dia
Eu realmente estou fazendo um esforço homérico para controlar as finanças”, afirma a fisioterapeuta Tatiana Félix, 36 anos. Funcionária pública da Secretaria de Saúde, ela teve problemas com pagamentos de salário, 13º e férias no fim do ano passado – devido à crise financeira do GDF. Se não bastasse isso, houve corte de horas extras, situação que impactou em toda a categoria.
“Foi uma paulada. Tínhamos gastos programados, recebemos visitas. O gasto aconteceu independente de ter recebido esse dinheiro ou não”, conta.
Desde aquela época, Tatiana diz ter “apertado o cinto”. “Essa crise não vai passar tão cedo. Não consigo vislumbrar uma melhora”, afirma, desanimada. Ela e o marido têm a preocupação de perder o emprego, “mas o poder de compra é reduzido. Tudo aumenta e o salário segue no mesmo valor”.
Adaptação
Para driblar os iminentes problemas financeiros, a família apelou para trocas. Os dois carros foram substituídos por modelos mais antigos e econômicos, dispensando as parcelas que faltavam para quitar o financiamento de um deles.
Houve mudança, também, na rotina dos filhos, que tiveram de mudar de colégio. “As crianças estavam matriculadas em uma escola cuja mensalidade era R$ 1.380 para cada um, quando antes era R$ 1.050. Subiu demais e ficamos com medo de não dar conta”, explica Tatiana.
Diferença
Hoje, eles pagam R$ 860 pelos dois filhos. “O novo colégio é ótimo, mas a desvantagem, é que a localização é mais distante”, avalia.
Ponto de Vista
Não estamos em um cenário de depressão, mas em recessão instalada e seus efeitos serão sentidos”, entende César Bergo, economista especialista em mercado financeiro. De acordo com ele, a perspectiva de crescimento é negativa e, nessa situação, aumentam os níveis de desemprego e diminuem a renda e o consumo. “Teremos alta de juros e de impostos, sendo que a inflação para o final do ano deve estourar o teto da meta, na faixa de 8%, e o crescimento deve ser ainda menor que o governo está aceitando, de -0,5%”, conclui Bergo.
Redução de ponta a ponta do orçamento
A família da fisioterapeuta Tatiana Félix, 36 anos, não tem mais empregada doméstica e já não sai para comer todo fim de semana, como era a rotina antes de a crise apertar. Atualmente, optam por visitar amigos e parentes e usar o próprio condomínio para as atividades de lazer. As compras são feitas priorizando promoções e atacados e as lâmpadas do apartamento, sendo trocadas, gradativamente por LED – tecnologia muito mais econômica.
Nesta semana “o condomínio aumentou 20%, a luz, outros 24%, sem contar água, gasolina, tudo”, lembra. E a reforma no apartamento, que já estava programada, não saiu. “Estamos com medo de começar e sermos obrigados a parar”, justifica.
sem dívida
“Tudo o que envolve prestação, parcelamento e compras a longo prazo, estamos evitando. A gente não está endividado, mas nós temos as contas para pagar. A situação foi apertando e vimos a situação econômica do País. Foi melhor apertar o cinto e conseguimos fazer tudo sem desespero”, conclui.